Alguns dos desafios mais emergentes em matéria de política municipal nos países membros da OCDE refletem as transformações estruturais das sociedades modernas, influenciadas por fatores como a urbanização, as mudanças climáticas, a digitalização e as desigualdades socioeconómicas.

Em Portugal, os desafios nesta matéria refletem tanto as tendências globais quanto as especificidades do país, como a sua estrutura administrativa descentralizada, as desigualdades regionais e as vulnerabilidades económicas e climáticas.

Vejamos, por tópico, como cada problema se exprime tanto no contexto mais geral como no do nosso país.

Mudanças Climáticas e Sustentabilidade

As cidades dos países da OCDE enfrentam pressões crescentes para reduzir as emissões de carbono e adaptarem-se aos impactos das mudanças climáticas, tais como inundações, ondas de calor e secas. Neste contexto, as políticas municipais precisam equilibrar o desenvolvimento urbano com as metas de neutralidade climática, tais como as estabelecidas no Acordo de Paris. Isto envolve investimentos em infraestruturas verdes, transportes públicos eficientes e edifícios energeticamente sustentáveis, muitas vezes em um contexto de recursos financeiros limitados.

Portugal enfrenta desafios significativos relacionados com o clima, com os municípios a desempenharem um papel central na adaptação e mitigação dos mesmos. Incêndios florestais, como os que devastaram o interior em anos recentes (i.e., Pedrógão Grande em 2017), continuam a ser uma ameaça recorrente, exigindo políticas locais de gestão florestal, prevenção e resposta rápida. Além disso, cidades costeiras como Lisboa e Porto lidam com a subida do nível do mar e erosão, enquanto a seca afeta o Sul, especialmente o Alentejo e o Algarve, pressionando os recursos hídricos e a agricultura local.

Digitalização e Transformação Urbana

A era digital trouxe oportunidades e desafios para os governos locais. A implementação de cidades inteligentes (smart cities) exige infraestrutura tecnológica avançada, como redes 5G e sensores IoT, mas também levanta questões de privacidade, segurança de dados e exclusão digital. Muitos municípios lutam para garantir que toda a população tenha acesso equitativo a serviços digitais, especialmente em áreas rurais ou nas periferias urbanas.

Embora Portugal tenha avançado na digitalização a nível nacional (i.e., o Cartão de Cidadão e serviços online), muitos municípios, especialmente os mais pequenos, carecem de capacidade para adotar tecnologias de “cidades inteligentes”. A exclusão digital é um problema nas zonas rurais e entre populações mais velhas, dificultando o acesso a serviços municipais online. Assi, investir em infraestrutura e formação é essencial, mas tal embate em orçamentos locais limitados.

Desigualdade e Inclusão social

A crescente polarização económica nas cidades da OCDE ampliou as disparidades entre bairros ricos e pobres. As políticas municipais precisam de lidar com problemas de carácter nacional, como o aumento do custo de vida, a falta de habitação acessível e a segregação social, ao mesmo tempo que se deparam com dificuldades locais, tais como a gentrificação, que desloca comunidades de baixos rendimentos, e migração e a diversidade cultural, que exigem estratégias de integração e de evicção de tensões sociais.

A disparidade entre o litoral urbanizado (como Lisboa, Porto e Algarve) e o interior rural é um desafio crónico em Portugal. Muitos municípios do interior, como os de Trás-os-Montes ou das Beiras, enfrentam despovoamento, envelhecimento populacional e falta de investimento. Neste âmbito, as políticas municipais precisam de ser capazes de atrair população e empresas, mas esbarram na escassez de recursos e na dependência de fundos europeus ou do governo central, como o Portugal 2030.

Nas grandes cidades, como Lisboa e Porto, o boom do turismo e do investimento imobiliário estrangeiro fez disparar os preços da habitação, tornando-a inacessível para muitos residentes. Os municípios enfrentam, assim, o desafio de regular plataformas como o Airbnb, criar incentivos para habitação acessível e evitar a gentrificação, enquanto equilibram os benefícios económicos do turismo. Em 2023, por exemplo, Lisboa introduziu medidas para limitar os alojamentos locais, mas a sua implementação permanece lenta.

Financiamento e Autonomia Fiscal

Muitos governos municipais dependem de transferências de governos nacionais, mas enfrentam cortes orçamentais ou limitações fiscais. Tal, dificulta o financiamento de serviços essenciais como educação, saúde e saneamento, especialmente num contexto de aumento da procura devido ao crescimento populacional ou às crises económicas. A busca por fontes alternativas de receita, como parcerias público-privadas, torna-se, assim, um desafio recorrente.

Os municípios portugueses têm autonomia limitada, dependendo fortemente de transferências do Orçamento do Estado e de fundos da UE. A Lei das Finanças Locais (Lei n.º 73/2013) define as regras, mas muitos autarcas reclamam que os recursos não acompanham as responsabilidades crescentes, como a manutenção de escolas, redes de água ou as novas responsabilidades em matéria de Saúde. Cidades maiores, como Lisboa, geram mais receita própria via impostos (e.g., IMI e IMT), mas as pequenas autarquias lutam para se autossustentar.

Gestão de Crises e Resiliência

Eventos como a pandemia de COVID-19 expuseram a vulnerabilidade das cidades e a necessidade de sistemas locais resilientes. As políticas municipais viram-se perante a necessidade de se prepararem para futuras crises sanitárias, económicas ou climáticas, o que passa por fortalecer redes de saúde pública, diversificar economias locais e planear respostas rápidas a emergências.

Participação Cidadã e Governança Democrática

Há uma exigência crescente por maior envolvimento dos cidadãos nas decisões locais, impulsionada pelas ferramentas digitais e pela busca por transparência. No entanto, isso exige que os municípios superem o desafio de envolver as comunidades numa participação mais direta e menos representativa, combater a apatia política e lidar com a desinformação, que pode polarizar os debates locais tal como faz com os nacionais.

Estes desafios não são uniformes, variando conforme o nível de desenvolvimento, localização geográfica e contexto político de cada país. Por exemplo, cidades em países como o Japão ou a Coreia do Sul lidam mais intensamente com o envelhecimento populacional, enquanto que municípios em países como o México ou a Turquia enfrentam pressões adicionais de urbanização rápida e informalidade.

Em Portugal, apesar de haver uma tradição de proximidade entre autarcas e cidadãos, a participação nas decisões municipais é muitas vezes baixa, exceto em questões polémicas (e.g., construção de infraestruturas). A corrupção local, embora menos sistémica do que no passado, ainda mina a confiança em algumas autarquias. Ferramentas como orçamentos participativos (populares em Lisboa e Cascais) são um avanço, mas precisam de maior adesão.

O nosso contexto específico e algumas inovações na área da saúde e da qualidade de vida

Portugal tem 308 municípios, muitos dos quais pequenos e com capacidade administrativa reduzida, o que amplifica todos os desafios que referi. A descentralização iniciada em 2018, que transferiu competências do governo central para as autarquias (e.g., educação e saúde), aumentou as responsabilidades, mas nem todos os municípios estavam preparados para assumi-las. Além disso, a recuperação pós-COVID e a inflação recente (2022-2024) pressionaram ainda mais os orçamentos locais.

Aqui estão alguns exemplos específicos de políticas municipais inovadoras na área da saúde e da qualidade de vida em municípios de países europeus, com foco em iniciativas recentes e práticas que se destacaram. Estes exemplos são baseados em tendências observadas em cidades da Europa, muitas vezes alinhadas com os objetivos da OCDE, da União Europeia (UE) e do movimento “Cidades Saudáveis” da Organização Mundial da Saúde (OMS):

  1. Viena, Áustria: Habitação Social e Saúde Integrada

Política: Viena é conhecida pelo seu modelo de habitação social acessível que integra preocupações com a saúde e bem-estar. A cidade mantém cerca de 60% da sua população em habitações públicas ou subsidiadas, projetadas com foco na qualidade de vida.

Inovação: nos últimos anos, projetos como o “Seestadt Aspern” (um bairro sustentável) incorporaram áreas verdes, acesso a clínicas locais e espaços comunitários para exercício físico e socialização, reduzindo o isolamento social e promovendo a saúde mental. A iniciativa “Gesunde Stadt Wien” (Viena Cidade Saudável) também financia programas de prevenção de doenças crónicas, como a diabetes, com rastreios gratuitos nas comunidades.

Impacto: estudos locais indicam menor prevalência de obesidade e stress em comparação com outras capitais europeias, atribuídos ao acesso equitativo a serviços e ambientes saudáveis.

  1. Copenhaga, Dinamarca: Mobilidade Ativa e Qualidade do Ar

Política: Copenhaga implementou o “Cycling Strategy 2025”, com o objetivo de fazer com que 75% dos deslocamentos na cidade sejam feitos a pé, de bicicleta ou em transporte público.

Inovação: A cidade expandiu a rede de ciclovias (mais de 400 km) e instalou sensores inteligentes para monitorizar a qualidade do ar em tempo real, ajustando o tráfego para reduzir a poluição. Além disso, oferece incentivos fiscais a empresas que promovam deslocações ativas entre os funcionários.

Impacto: a iniciativa reduziu as emissões de CO2 em 20% desde 2010 e melhorou a saúde respiratória dos habitantes, com uma queda de 15% nas doenças relacionadas com a poluição atmosférica, segundo relatórios municipais.

  1. Barcelona, Espanha: Superblocos e Saúde Urbana

Política: o programa “Superilles” (Superblocos), lançado em 2016 e expandido nos últimos anos, transforma áreas urbanas em zonas de baixa circulação de carros, priorizando pedestres, ciclistas e espaços verdes.

Inovação: Cada superbloco reduz o tráfego motorizado em 60-80%, criando “praças” locais com jardins, bancos e áreas de recreação. Em paralelo, a cidade integrou unidades móveis de saúde para rastreios preventivos nestas zonas, focando-se em idosos e crianças.

Impacto: Dados de 2023 mostram uma diminuição de 25% nos níveis de ruído e poluição do ar nas áreas dos superblocos, além de um aumento de 30% na atividade física reportada pelos residentes, contribuindo para a redução de doenças cardiovasculares.

  1. Freiburg, Alemanha: Cidade Verde e Prevenção Climática

Política: Freiburg é pioneira no conceito de “cidade verde”, com políticas municipais que integram saúde e sustentabilidade desde os anos 90, reforçadas pelo plano “Freiburg 2030”.

Inovação: o bairro de Vauban, concluído na última década, é um exemplo: casas energeticamente eficientes, amplas áreas verdes e um sistema de “filtros verdes” para tratar águas residuais localmente. A cidade também subsidia hortas urbanas comunitárias, promovendo alimentação saudável e interação social.

Impacto: A expectativa de vida em Freiburg está acima da média alemã (83 anos) e a prevalência de doenças relacionadas com o stress caiu.

  1. Lisboa, Portugal: Saúde Digital e Participação Comunitária

Política: Lisboa lançou em 2021 o programa “Lisboa Cidade Saudável”, alinhado com a rede europeia de cidades saudáveis da OMS, com foco na digitalização e inclusão.

Inovação: a autarquia implementou a plataforma “Lisboa Aberta”, que permite aos cidadãos reportar problemas de saúde pública (e.g., lixo acumulado ou focos de mosquitos) e aceder a serviços médicos online, como teleconsultas. Paralelamente, o município criou “Equipas de Rua” de saúde mental para apoiar populações vulneráveis, como os sem-abrigo.

Impacto: em 2023, a plataforma registou mais de 10 mil interações mensais, agilizando respostas a questões de saúde pública, enquanto as equipas de rua atenderam cerca de 1.500 pessoas, reduzindo internamentos psiquiátricos de emergência.

  1. Estocolmo, Suécia: Envelhecimento Ativo e Igualdade

Política: O programa “Stockholm for All Ages” visa tornar a cidade acessível e saudável para idosos, uma prioridade face ao envelhecimento populacional.

Inovação: inclui a adaptação de espaços públicos (bancos com apoio, passeios largos) e a oferta de atividades gratuitas como ginástica ao ar livre e workshops de nutrição em centros comunitários. A cidade também usa dados de wearables para monitorizar a saúde dos idosos em projetos-piloto.

Impacto: mais de 80% dos idosos entrevistados em 2022 reportaram maior satisfação com a vida e a taxa de quedas (uma causa comum de internamento) caiu 12% devido às melhorias nas infraestruturas.

Estas políticas destacam-se pela integração de saúde com outras áreas (urbanismo, ambiente, tecnologia) e pelo foco na prevenção e na participação cidadã. Em Portugal, o exemplo de Lisboa mostra como soluções locais podem ser inspiradas por boas práticas europeias, adaptando-as ao contexto nacional. Comparadas com os desafios gerais da OCDE, estas iniciativas abordam sustentabilidade, equidade e resiliência, mas enfrentam barreiras como o financiamento e a necessidade de coordenação intersectorial.

O período eleitoral que se aproxima será uma boa oportunidade para colocar estas questões no centro do debate político, de forma a entender quem é que está interessado, e disposto, a pensar e implementar políticas municipais que efetivamente respondam às necessidades das populações locais. Cada vez mais, a adequação das políticas às necessidades das populações é um imperativo. A máxima de “one size fits all” há muito que se desatualizou.