HealthNews (HN) – O Daniel trabalha há 15 anos na cidade Suíça de Basileia, que é um dos maiores hubs mundiais da indústria farmacêutica. O que torna Basileia tão especial?

Daniel Guedelha (DG)- Nas últimas décadas a cidade de Basileia emergiu como um dos hubs globais em ciências da vida. Existem mais de 800 empresas, 1000 grupos de investigação e 14 institutos de investigação e desenvolvimento, que no total empregam mais de 30.000 pessoas nas áreas da biotecnologia e no sector da saúde (A).
A criação deste sector económico forte e competitivo passou por um longo processo. A indústria farmacêutica na Suíça e em particular na cidade de Basileia, teve origem há mais de 200 anos na indústria têxtil. Depois de uma evolução que passou pelos químicos (fertilizantes e pesticidas), chegou mais recentemente à biotecnologia.
A cidade tem também várias instituições académicas que têm contribuído com investigação fundamental e educado um conjunto de cientistas muito talentosos, com um grande foco em ciências da vida, nomeadamente a “Basel University”, o “Institute of Molecular and Clinical Ophthalmology Basel” e o “Friedrich Miescher Institute for Biomedical Research” (FMI).
Grupos privados , públicos e académicos contribuem para um ecossistema vibrante e que tem gerado várias “spin-offs” que acabaram por ficar na região. Para que tal fosse possível, a contribuição de “venture capitalists” tem sido fundamental, dos quais cito alguns exemplos: “Versant Ventures”, “BioMed Partners”, “Roche Venture Fund” e “Novartis Venture Fund”. Iniciativas como o “BaseLaunch” que procuram estabelecer parcerias entre cientistas e empreendedores também têm um papel importante neste ecossistema, sendo que já angariaram mais de 500 milhões de euros para empresas no seu portfólio (B).
A presença das sedes de algumas das maiores farmacêuticas do mundo, como é o caso da Roche e da Novartis (entre outras), tem igualmente um grande peso. Por exemplo, o Campus da Novartis tem cerca de 8000 trabalhadores, muitos deles altamente qualificados e a trabalhar nas áreas de investigação e desenvolvimento, marketing, estratégia global entre outras.

HN- Pode falar-nos brevemente deste seu percursos na indústria farmacêutica?

DG- Trabalho há 15 anos na indústria farmacêutica e tive a oportunidade de desempenhar funções em várias áreas ao longo da cadeia de valor do medicamento, desde a Investigação e Desenvolvimento, Produção, “Global Supply Chain”, até funções mais comerciais como “Global Key Account Management”, “Merger & Acquisitions”, “Business Development” e “Corporate Strategy”. Mais recentemente, assumi o cargo de “Chief of Staff” para o presidente da divisão “Global Health & Sustainability”.
Com este percurso, tive a oportunidade de conhecer a indústria farmacêutica a fundo, o que me permite ter uma visão integrada e estratégica da indústria.

HN- Esta sua experiência permite conhecer com bastante detalhe as grandes multinacionais farmacêuticas. Pode descrever-nos como é que estas empresas estão organizadas?

DG- Tal como descrito num artigo da “Harvard Business Review” (C), esta é uma das indústrias mais reguladas e competitivas. Apesar de cada empresa farmacêutica ter a sua própria dinâmica e organização, existem algumas áreas que são transversais a todas elas (ver imagem). É fundamental compreender a complexidade e interdependência destas áreas, que vão desde a Investigação e Desenvolvimento até áreas mais comerciais, as quais estão descritas em mais detalhe de seguida:
Investigação e Desenvolvimento:
Descoberta de Medicamentos: Identificação e desenvolvimento de novos compostos que têm o potencial de se tornar em novos medicamentos.
⦁ Pesquisa Clínica: Ensaios clínicos que são conduzidos para testar novos tratamentos em humanos. Normalmente são feitos em várias fases para avaliar a segurança, eficácia e dosagem.
Produção e “Supply Chain”:
Produção: O processo de produção em massa de medicamentos, garantindo qualidade, consistência e segurança.
⦁ “Supply Chain”: Gerir o armazenamento, transporte e distribuição de produtos farmacêuticos para revendedores, farmácias, unidades de saúde entre outros a nível mundial.
Acesso, “Medical Affairs” e Assuntos Regulamentares:
Acesso: Desenvolvimento de planos para garantir que os produtos farmacêuticos sejam acessíveis aos pacientes e que tenham um custo/benefício positivo.
⦁ “Medical Affairs”: “Possuem o conhecimento científico dentro da organização e ao longo do lifecycle e fazem a ponte com as necessidades e realidades dos doentes.
⦁ Regulamentar: Preparar e submeter documentação às agências reguladoras (por exemplo, a FDA nos Estados Unidos e a EMA na Europa) para obter aprovação para comercializar um novo medicamento.
“Marketing” e Vendas:
⦁ “Marketing”: Promover medicamentos junto de profissionais de saúde, hospitais e consumidores (vai depender do tipo de medicamento e da legislação de cada país)
⦁ Vendas: Muitas vezes feita através de delegados de informação médica que têm como objetivo interagir com prestadores de cuidados de saúde e promover produtos farmacêuticos.

Estas áreas sobrepõem-se frequentemente e requerem a colaboração de diversos intervenientes, incluindo empresas farmacêuticas, profissionais de saúde, agências reguladoras e instituições. Tudo isto a fim de trazer medicamentos seguros e eficazes para o mercado. Consequentemente, compreender a indústria farmacêutica de um ponto de vista global é essencial para garantir o sucesso do setor e a oferta de medicamentos de qualidade aos doentes.

HN- Considera que o conhecimento “end-to-end” da indústria farmacêutica é importante? Esse conhecimento existe em Portugal?

DG- A produção de um medicamento é algo extremamente complexo e muito dispendioso. De acordo com a consultora McKinsey, o custo estimado para colocar um medicamento no mercado é, em média, de 2.2 mil milhões de euros (D). Segundo a publicação de 2022 da “European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations” um medicamento demora 12-13 anos desde que é sintetizado até que é comercializado (E).
O foco da indústria é no doente e nas suas necessidades. Conhecer a indústria “end-to-end” permite aos profissionais ter uma visão global do complexo processo desde a investigação até ao momento em que os doentes acedem aos medicamentos que necessitam. Isto é particularmente relevante quando falamos em inovação terapêutica.
Em países com a dimensão de Portugal, muitas das grandes empresas farmacêuticas têm presença sobretudo na área comercial. Isto faz com que exista um “gap” no conhecimento de alguns destes nossos profissionais da indústria farmacêutica em áreas absolutamente essenciais.
Em Portugal, existem algumas empresas que têm capacidade produtiva, como são os casos da Bial, Bluepharma, Hikma, Hovione, Tecnimede entre outras. Temos, ainda, instituições com trabalho na área da investigação e desenvolvimento, tais como a Fundação Champalimaud, Instituto Gulbenkian da Ciência, Instituto de Biomedicina da Universidade de Aveiro (iBiMED), Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), entre outros.
Não precisamos de passar por todas as áreas da indústria farmacêutica para conhecer o seu funcionamento em detalhe. Contudo, considero que ter uma visão geral das várias áreas e aprender com colegas que já tenham tido experiência nas mesmas é essencial para os nossos profissionais da indústria farmacêutica.

HN- Como podemos maximizar a partilha desse conhecimento das várias áreas da indústria farmacêutica em Portugal?

DG- Temos muitos portugueses com carreiras internacionais incríveis na indústria farmacêutica. Muitos deles emigraram, alguns voltaram e outros têm feito as suas carreiras em Portugal. Acredito que há uma enorme oportunidade em juntar esse conhecimento e de o partilhar. Existem várias formas de o fazer, por exemplo, através da criação de formações executivas específicas leccionadas por universidades portuguesas de prestígio. Este é um dos caminhos para alavancarmos esse conhecimento e continuarmos a jornada sempre com o foco no doente.
Eu imagino um ensino em que a excelência dos professores se combina com alunos de enorme qualidade, um ensino que deixa de ser unidirecional (do professor para o aluno), mas que passa a ser uma aprendizagem coletiva, com discussões de vários casos práticos e debate de ideias. É um estilo de ensino em que através da co-criação e da partilha de experiências se aprende e se constrói. Já tive a oportunidade de experienciar os excelentes resultados desde tipo de ensino em várias universidades de topo como é o caso de: “Oxford University” (Reino Unido), do “Massachusetts Institute of Technology – MIT” (Estados Unidos da América) e da “University of St. Gallen” (Suíça).
Por estas razões acredito que o ensino executivo é uma das ferramentas mais importantes para continuarmos a elevar o cluster farmacêutico em Portugal e continuarmos a melhorar a saúde no nosso país!

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