Healthnews (HN) – O seu novo livro “Vencer a Procrastinação” aborda um tema que afeta muitas pessoas. O que o levou a escolher este tópico específico e como é que ele se relaciona com o seu trabalho anterior sobre Inteligência Emocional?

Paulo Moreira (PM) – A escolha deste tema foi uma decisão tanto pessoal quanto profissional. Sou alguém que tem sempre inúmeros projetos em mãos, mas, ao longo do tempo, percebi que a procrastinação era um dos principais sabotadores da minha eficácia. Havia momentos em que adiava tarefas importantes, não porque não tivesse tempo ou capacidade, mas porque sentia algum tipo de desconforto quando pensava em realizar essas tarefas. Foi aí que percebi que a procrastinação não era apenas uma questão de má gestão de tempo, como muitas vezes se pensa, mas algo profundamente enraizado nos nossos estados emocionais.

Ao mergulhar na pesquisa sobre o tema, descobri que as emoções desconfortáveis — como ansiedade, medo de falhar ou mesmo tédio — são, frequentemente, os verdadeiros motores da procrastinação. Isso conectou-se diretamente ao meu trabalho anterior sobre Inteligência Emocional, que foca na capacidade de identificar, compreender e gerir emoções. A procrastinação, como explico no livro, está muitas vezes ligada à dificuldade em regular essas emoções, e foi fascinante perceber que a chave para vencer este comportamento está justamente na forma como lidamos com as nossas emoções.

Este livro, portanto, é uma extensão natural do meu trabalho em Inteligência Emocional. Se antes explorava como as emoções influenciam o modo como nos relacionamos com os outros, agora aprofundo como elas afetam a forma como nos relacionamos connosco mesmos, com as nossas tarefas e com os nossos objetivos.

HN – No seu livro, menciona 36 estratégias práticas para combater a procrastinação. Poderia partilhar connosco uma ou duas dessas estratégias que considera particularmente eficazes?

PM – Uma das estratégias que considero especialmente eficaz é usar a técnica dos 5 minutos. Muitas vezes, adiamos tarefas porque parecem gigantescas e difíceis de começar. Esta técnica consiste em dedicar apenas 5 minutos a iniciar a tarefa, mesmo que o objetivo não seja completá-la nesse momento. Isto porque a grande resistência está no iniciar a tarefa, sendo que quando quebramos essa barreira, muitas vezes acabamos por continuar por mais tempo do que esperávamos, e, mesmo que não o façamos, os 5 minutos já são um progresso significativo. Esta abordagem é fantástica para superar a inércia inicial.

Outra estratégia que funciona muito bem é o planeamento reverso. Em vez de começarmos pelo início de uma tarefa e não sabemos bem o que vai acontecer ou quando é que vamos ter a tarefa concluída, com o planeamento reverso identificamos como será o resultado final e trabalhamos para trás, definindo os passos necessários para chegar lá. Este método não só torna as tarefas mais claras e tangíveis, como também ajuda a visualizar todas as etapas necessárias e conseguimos medir melhor o nosso progresso, reduzindo o sentimento de sobrecarga.

HN – Sabemos que a procrastinação pode ter um impacto significativo na saúde mental. Como é que a Inteligência Emocional pode ajudar as pessoas a lidar com o stress, a ansiedade e a culpa associados à procrastinação?

PM – A Inteligência Emocional desempenha um papel fundamental na gestão das emoções que surgem da procrastinação, como o stress, a ansiedade e a culpa. No livro, explico que uma das principais razões para procrastinarmos é o desejo de evitar emoções desconfortáveis associadas a certas tarefas. Estas emoções podem incluir o stress sentido do prazo a aproximar-se, o medo de falhar e a culpa que surge quando procrastinamos e não fazemos o que deveríamos ter feito. Com a Inteligência Emocional, conseguimos abordar estas emoções de forma mais saudável e eficaz.

Uma das estratégias que apresento é praticar o reconhecimento e a aceitação das emoções. Muitas vezes, quando sentimos ansiedade ou stress, a nossa reação imediata é tentar evitar essas emoções, o que nos leva a adiar as tarefas. No entanto, ao reconhecer o que estamos a sentir — por exemplo, dizendo “Estou ansioso porque esta tarefa é desafiadora” —, tornamo-nos mais conscientes das emoções e menos dominados por elas. Este simples passo reduz a intensidade emocional e ajuda-nos a recuperar o controlo.

Adicionalmente, compreender o impacto a longo prazo das emoções que surgem na procrastinação, como explico no livro, ajuda-nos a criar maior clareza sobre o que realmente importa. Ao conectar as nossas ações ao nosso propósito e aos benefícios que esperamos alcançar, conseguimos ultrapassar o desconforto imediato, colocando o foco no que é realmente significativo. Assim, a Inteligência Emocional não só reduz os efeitos negativos da procrastinação, como transforma a forma como lidamos com ela, promovendo um maior bem-estar emocional e produtividade.

HN – No seu livro, faz uma distinção entre procrastinação e preguiça. Pode explicar melhor esta diferença e porque é importante compreendê-la?

PM – Procrastinação e preguiça não são a mesma coisa, embora, à primeira vista, possam parecer semelhantes. A procrastinação ocorre quando temos consciência de que há algo importante que precisamos de fazer, mas, mesmo assim, escolhemos adiá-lo. É um ato intencional e voluntário, mas que nos deixa desconfortáveis, pois sabemos que as consequências de não agir podem ser negativas.

Já a preguiça é diferente, sendo definida como a relutância em investir o esforço necessário numa tarefa. Refere-se a uma falta de vontade geral de fazer qualquer coisa que requeira esforço. Não está associada a um conflito interno ou a uma consciência das consequências negativas. Por exemplo, alguém que procrastina pode estar a evitar uma tarefa importante, mas realiza outra tarefa, como organizar a casa ou responder a e-mails, o que demonstra energia e foco. Alguém que é preguiçoso, por outro lado, não se envolverá em tarefas que requeiram esforço, optando por atividades passivas como ficar no sofá a ver televisão.

Entender esta diferença é essencial porque as soluções para cada problema são diferentes. Para a procrastinação, precisamos de trabalhar a regulação emocional e as estratégias de ação. Para a preguiça, muitas vezes é necessário explorar motivações e objetivos de vida. Reconhecer que a procrastinação não é sinónimo de preguiça também reduz o estigma e ajuda-nos a adotar uma abordagem mais empática e prática.

HN – Como especialista em Inteligência Emocional, que conselhos daria a alguém que reconhece ser um procrastinador crónico e quer mudar esse comportamento?

PM – O primeiro passo para mudar o comportamento de procrastinação crónica é conhecer-se profundamente (já dizia o filósofo Sócrates). No meu livro, explico que a procrastinação está frequentemente enraizada nas nossas características individuais. Aspetos como baixa autoeficácia, perfeccionismo, distração e até tendências de autossabotagem podem contribuir significativamente para este comportamento. Sugiro que quem se identifica como procrastinador crónico faça uma avaliação sincera das suas características, pois estes fatores ajudam a compreender por que razão determinadas tarefas se tornam mais difíceis de enfrentar. Por exemplo, uma baixa autoeficácia pode levar à sensação de que a tarefa é impossível, enquanto o perfeccionismo pode criar medo de começar algo que talvez não saia perfeito.

Em seguida, é crucial identificar o tipo de tarefas que mais se procrastina. Nem todas as tarefas são adiadas da mesma forma, e muitas vezes as que evitamos têm algo em comum. Pode ser a monotonia, a complexidade ou até o facto de as recompensas ou consequências estarem muito distantes no tempo. Entender por que motivo uma tarefa específica é evitada ajuda a desmontar os padrões que mantêm a procrastinação.

Outro ponto fundamental é entender o ciclo da procrastinação, que explico detalhadamente no livro. Este ciclo identifica as várias etapas da procrastinação e como estas nos prendem nesta roda viva que parece não ter fim.

Por fim, recomendo começar com pequenos passos práticos. Escolher uma tarefa específica que tenha procrastinado e aplicar estas reflexões.

HN – Considerando a sua experiência como autor, formador e apresentador de podcast, que impacto espera que este livro tenha na vida dos leitores e na sociedade em geral?

PM – Este livro foi escrito com o objetivo de ser uma ferramenta prática e útil no dia-a-dia dos leitores. Espero que o livro seja utilizado como um guia para compreenderem melhor a procrastinação e, mais importante, para aprenderem a superá-la. A procrastinação afeta todos os aspetos da nossa vida — desde a carreira até às relações e à saúde mental. Por isso, acredito que, ao fornecer estratégias concretas e ao abordar as raízes emocionais deste comportamento, o livro pode ter um impacto profundo.

Também espero que ajude a desmistificar a procrastinação, mostrando que não é um sinal de fraqueza ou preguiça, mas sim algo que todos enfrentamos de uma forma ou de outra. Ao compreenderem este comportamento, os leitores podem melhorar não só o seu desempenho, mas também a relação que têm consigo mesmos. Na sociedade, espero que este livro ajude a criar um diálogo mais saudável e empático sobre produtividade, bem-estar e emoções.

Entrevista HN

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