A saúde mental, segundo a Organização Mundial de Saúde, é o estado de bem-estar em que o indivíduo tem consciência da sua capacidade de manter actividades produtivas, construir e manter relações gratificantes com outras pessoas, de se adaptar à mudança e de lidar com a adversidade. É sabido que os transtornos mentais são um problema de saúde à escala mundial, sendo uma das principais causas de incapacidade e de morbilidade, com consideráveis custos socioeconómicos para o país, que o nosso governo faz por combater. A perturbação depressiva, por exemplo, é uma doença mental muito frequente que pode ser percebida, entre outras coisas, por uma expressão facial triste, olhar melancólico, testa franzida, ombros curvados e tendência para o choro.

Olhando atentamente, conseguimos perceber que estas características são transversais a um bom político. Quando a situação aperta, um político que se preze também mostra uma expressão facial triste, um olhar melancólico, franze a testa (numa mistura de indiferença e compaixão), curva os ombros e aparenta emocionar-se, num claro apelo à solidariedade e à proximidade. A única diferença é que na perturbação depressiva há uma falta de cuidado com o vestuário e com a imagem e é aqui que os políticos se destacam.

Nós, contribuintes, deveríamos ter ficado felizes por podermos comprovar a saúde dos nossos governantes, que parecem estar a anos luz de um quadro depressivo, mimando-se em plena hora de trabalho

Esta semana, Isabel Moreira, deputada do Partido Socialista, foi apanhada pela agência de notícias Reuters a pintar as unhas durante o debate do Orçamento do Estado na Assembleia da República, o que mostra claramente que a sua saúde mental está tão saudável como a Geringonça. Nós, contribuintes, deveríamos ter ficado felizes por podermos comprovar a saúde dos nossos governantes, que parecem estar a anos luz de um quadro depressivo, mimando-se em plena hora de trabalho. Deveríamos ter ficado satisfeitos por pouparmos na medicação comparticipada ou em certificados de incapacidade temporária. Mas não. Verificou-se uma onda de indignação como se nos estivessem a ir indirectamente ao bolso.

Isabel Moreira fez muito bem. Na fotografia mostrou coerência partidária, na medida em que, tendo duas mãos, optou por embelezar a esquerda, mostrando pouco interesse pela direita. Ainda percebia toda esta celeuma se António Costa fosse apanhado pela Reuters com a mão no bolso direito a descolar o escroto da coxa do membro inferior direito. É que, com tanta preferência pela direita, colocaria em causa toda uma vida de filiação política.

Estou certo de que os homens só se indignaram pela capacidade de multitasking do sexo feminino, sendo certo que se Mário Centeno quisesse cortar as unhas dos pés na Assembleia, o debate teria de ser suspenso por uma dúzia de minutos. O verniz estalou no parlamento, provavelmente porque Isabel Moreira estaria a aproveitar o tempo a colher cenouras no FarmVille e, com a rapidez do polegar, a tinta saltou. Numa próxima será prudente jogar pelo seguro e fazer unhas de gel ou gelinho, pelo menos em alturas importantes como quando se discute o Orçamento do Estado ou o Orçamentozinho. A deputada só pecou por ter demonstrado o quão esbanjadora é. Tendo em conta que existem vernizes de resinas ou derivados do petróleo e que o Ministro das Finanças anunciou que o Imposto sobre Productos Petrolíferos vai baixar, era sensato que mostrasse coerência e aguardasse que este entrasse em vigor. Por outro lado, o que muita gente não sabe é que Isabel Moreira estava a usar o verniz 8 em 1 total action da Eveline. É um verniz de tratamento para fortalecer as unhas, para que fiquem mais saudáveis e naturais. Como deve ser aplicado todos os dias sem esquecimento, a deputada só demonstrou os seus princípios e capacidade de trabalho, cumprindo a promessa de levar o tratamento diário até ao fim. Contudo, espero que não seja intolerante à lactose porque com aquela cor branco leitoso, se roía as unhas arriscava-se a fazer o resto do debate por videochamada do WC mais próximo.

A direita dirá que foi um escândalo e um ultraje para os contribuintes, devendo pedir a demissão por não ser digna do cargo que ocupa. Para a esquerda, a culpa é do Parlamento não ser cativante e ter vários tempos mortos

Ao pintar as unhas na Assembleia da República abriu um precedente a todo e qualquer serviço de estética e beleza na política. Assim sendo, Mário Lino teria livre trânsito para aparar os chifres durante um debate e Catroga poderia fazer uma depilação à língua quando se discutissem pentelhos.

Em boa verdade, politicamente este assunto analisa-se de uma forma diferente. A direita dirá que foi um escândalo e um ultraje para os contribuintes, devendo pedir a demissão por não ser digna do cargo que ocupa. Para a esquerda, a culpa é do Parlamento não ser cativante e ter vários tempos mortos o que, muito provavelmente, terão sido medidas do anterior governo. Daí que Isabel Moreira se tenha forçado a aproveitar cada segundo até poder votar no que o partido lhe sugeriu.

Ninguém me tira da cabeça que o problema da fotografia ter vindo a público é o facto da Assembleia da República ser em Lisboa. Se esta fosse no Porto, a Reuters nem se deslocava lá porque ficava fora de mão. Sei do que falo, porque acontece o mesmo quando festejo os meus anos no norte. Aliás, até já comparo os meus convidados ao Infarmed: garantem-me que vêm ao Porto mas, à última, dão uma desculpa e ficam em Lisboa.

O que é certo é que, pela fotografia que apareceu na comunicação social, Isabel Moreira tem o futuro assegurado na arte da manicure. Só precisava de saber se faz domicílios. É que a minha prima Natércia foi operada à cervical, não se consegue dobrar e não lhe deram invalidez. E está com umas unhas dos pés deploráveis.