Esta é uma das conclusões centrais do relatório anual da organização não-governamental (ONG), divulgado hoje, que faz uma análise da situação dos direitos humanos à escala mundial durante 2020, com dados de 149 países.

“A pandemia global expôs o terrível legado de políticas deliberadamente divisórias e destrutivas que perpetuaram desigualdade, discriminação e opressão, e abriram caminho à devastação causada pela [doença] covid-19″, lê-se no documento.

Para a Amnistia Internacional, a crise pandémica colocou a nu a erosão dos serviços públicos e amplificou uma “enorme desigualdade sistémica a nível mundial”, cenário desencadeado por “décadas de liderança tóxica” e que teve um impacto “devastador” e “desproporcional” naqueles que já eram marginalizados, como as minorias étnicas, os migrantes e refugiados, as mulheres, as pessoas com deficiência e mais idosas, as crianças e a comunidade LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero e Intersexo).

A organização destaca igualmente o impacto da crise naqueles que estiveram na chamada “linha da frente”, em particular os profissionais de saúde, trabalhadores migrantes e os trabalhadores do setor informal, que também “foram traídos por sistemas de saúde negligenciados” e “apoios socioeconómicos irregulares”.

Em 42 dos 149 países monitorizados, a ONG também documentou alegações sobre situações de assédio ou de intimidação por parte das autoridades contra estes profissionais no contexto pandémico.

“A covid-19 expôs e aprofundou brutalmente a desigualdade dentro dos países e entre eles, e destacou a impressionante negligência dos nossos líderes pela humanidade comum. Décadas de políticas divisórias, medidas de austeridade e escolhas erradas de líderes em não investir na melhoria de infraestruturas públicas em ruínas, deixaram a este vírus demasiadas presas fáceis”, diz Agnès Callamard, a nova secretária-geral da organização.

“Neste ponto da pandemia, mesmos os líderes mais iludidos teriam dificuldade em negar que os nossos sistemas sociais, económicos e políticos estão destroçados”, reforça a especialista francesa, nomeada para o cargo em março passado.

Segundo a organização, a resposta à pandemia foi prejudicada por líderes que “exploraram impiedosamente” a crise e fizeram da covid-19 “uma arma” para lançar novos ataques aos direitos humanos.

“Alguns tentaram normalizar as medidas de emergência autoritárias que introduziram para combater a covid-19, enquanto uma variante altamente perigosa de líderes foi mais além. Viram isto como uma oportunidade para consolidar o seu próprio poder”, denuncia a secretária-geral.

Um dos padrões principais identificados pela Amnistia Internacional foi o de autoridades aprovarem legislação criminalizando críticas relacionadas com a pandemia e usarem a crise sanitária como “pretexto” para continuar a suprimir o direito à liberdade de expressão.

Vários líderes usaram força excessiva em protestos ocorridos durante os confinamentos decretados e outros foram mais longe ao recorrerem da pandemia como uma “distração” para suprimir vozes opositoras e “perpetuar outras violações dos direitos humanos”, segundo a ONG.

“Instituições internacionais como o Tribunal Penal Internacional e os mecanismos de direitos humanos das Nações Unidas existem para responsabilizar Estados e perpetradores individuais. Infelizmente, 2020 mostra que estas foram confrontadas com um impasse político por líderes que procuram explorar e minar as respostas coletivas às violações de direitos humanos”, afirma Agnès Callamard.

A ONG aponta igualmente o dedo aos líderes mundiais que privilegiaram “os interesses próprios nacionais” na resposta à covid-19 e que dificultaram “os esforços de recuperação coletivos”.

Entre esses, de acordo com a organização, constam o ex-Presidente norte-americano Donald Trump, ao ter contornado os esforços de cooperação global ao comprar a maior parte do fornecimento mundial de vacinas contra a covid-19, e o líder chinês Xi Jinping, cujo governo censurou e perseguiu profissionais de saúde e jornalistas quando estes tentaram alertar sobre o novo coronavírus (SARS-CoV-2).

A Amnistia Internacional diz ainda que os países ricos também falharam em pressionar as farmacêuticas a partilharem conhecimento e tecnologia, de forma a expandir o fornecimento global de vacinas.

Críticas igualmente apontadas ao G20 (as 20 maiores economias do mundo), que, como recorda a organização, ofereceu-se para suspender os pagamentos de dívida dos países mais pobres, mas exigiu, para mais tarde, um reembolso com juros.

“A pandemia lançou uma dura luz sobre a incapacidade do mundo de cooperar efetivamente em tempos de extrema necessidade global”, aponta Agnès Callamard, que deixa um apelo para uma “reflexão” e uma “reconfiguração” dos atuais sistemas, de forma a “construir um mundo alicerçado em igualdade, direitos humanos e humanidade”.

Outras das conclusões gerais do relatório é que perante o “falhanço” dos governos e as respetivas “políticas regressivas”, muitas pessoas sentiram-se inspiradas para levantar a voz em todo o mundo para contestar o racismo, a violência de género ou outras formas de abusos e de repressão.

“Em 2020, a liderança não veio do poder, do privilégio ou de especuladores. Veio das inúmeras pessoas que marcharam para exigir mudanças”, indica a representante, destacando, entre outras correntes de contestação, a repercussão mundial do movimento norte-americano contra a discriminação, o racismo e a violência policial ‘Black Lives Matter’, e as conquistas legislativas para combater a violência contra as mulheres ou alcançar a descriminalização do aborto, como aconteceu na Coreia do Sul, Irlanda do Norte ou na Argentina.

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