Segundo o estudo, da autoria de profissionais do Centro Hospitalar Lisboa Norte e que hoje é apresentado no congresso da Sociedade Portuguesa de Alcoologia, no Porto, dos doentes que mudaram (73,3%) o padrão de consumo de álcool, 40,2% reduziram e 33,1% aumentaram o consumo.
Em declarações à agência Lusa, Fátima Ismail, uma das coordenadoras do estudo, explicou que, na primeira fase do confinamento imposto pela pandemia, “tudo estava fechado e não havia possibilidade de comprar álcool”.
“Primeiro, as pessoas não tinham como comprar álcool, depois, começou a ser levado a casa pelas empresas de take-away. Mas, até aí, alguns doentes tiveram sintomas de privação e alguns necessitaram mesmo de internamento e apoio nas consultas para a privação que estavam a sentir, relativamente a esta [álcool] e outras dependências”, disse a médica especialista em psiquiatria.
Explicando que este estudo apenas incidiu sobre doentes que estavam a ser seguidos na consulta de etilo-risco do Hospital de Santa Maria, a responsável considerou essencial que se fizesse um estudo ao consumo de álcool na população em geral.
“Se os dados indicam um aumento na venda de bebidas alcoólicas, alguém as está a consumir. Provavelmente, é a população a consumir em excesso e isso era importante perceber, pois pode trazer mais tarde problemas de saúde pública que se poderiam prevenir”, acrescentou.
O estudo, que avaliou 154 doentes e vai ter agora uma segunda parte, para apurar se houve alterações, mostrou ainda que nos casos em que a pandemia teve consequências familiares, laborais ou legais houve aumento do consumo de álcool.
Os doentes que faziam parte do grupo psicoterapêutico, com pessoas em diferentes fases do tratamento (desintoxicação, abstinência, recaída, etc.) e que deixou de funcionar no confinamento, consideraram ainda que este grupo é essencial para o seu processo terapêutico e que o facto de não ter funcionado num período da pandemia dificultou o controlo do consumo.
Quanto à medicação ansiolítica, os que a estavam a tomar viram-na aumentar (com indicação médica) durante a pandemia.
No que se refere ao agregado familiar, os que vivem em casal ou têm filhos diminuíram o consumo.
À Lusa, Maria João Gonçalves, outra das coordenadoras do estudo, considerou que a área das dependências é “um pouco abandonada” e defende mais investigação.
“Há pouca gente a investir nas dependências e a considerar que é uma doença. As pessoas não consomem porque querem, há uma vulnerabilidade e isto precisa de ser abordado numa consulta especializada. Há muita carência de investigação na área das dependências em geral”, afirmou Maria João Gonçalves, que é médica interna de formação especifica de psiquiatria.
Já Fátima Ismail alerta para a importância de controlar os consumos, sublinhando: “o álcool é um problema insidioso, começa antes de as pessoas procurarem o médico e é um problema de saúde pública”.
“As mortes por cirrose e o absentismo são apenas algumas das repercussões do álcool. É preciso alertar para o consumo”, considerou a responsável, sublinhando: “o vinho é uma substância muito usada socialmente, dá imenso prazer, e fala-se dele como se fosse um produto alimentar. É muito difícil chamar a atenção de que seria bom continuar a aproveitar sem abusar”.
“A nível alimentar, hoje em dia, há um tal fundamentalismo relativamente aos alimentos e esquecem-se de que álcool é um cancerígeno, juntamente com o tabaco”, acrescentou.
A especialista alerta também que “as consequências da pandemia ainda não se viram, mesmo sob o ponto de vista psicológico”, e sublinha: “Aqui na consulta vamos ver mais tarde, quando as pessoas não conseguirem controlar sozinhas”.
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