Contas feitas pela procuradora adjunta Ana Teixeira, do MP de Gondomar, numa acusação consultada hoje pela agência Lusa, os beneficiários envolvidos no esquema obtiveram ganhos ilegítimos entre 164,21 e 595,29 euros cada, num global de 14.533,29 euros.

Já os três principais responsáveis pela ótica lucraram indevidamente 343.332,87 euros.

A procuradora adjunta que assina o despacho de acusação defende a devolução daqueles valores ao Estado, além da condenação da sociedade detentora da ótica e dos seus três representantes legais pela alegada prática de crimes de burla qualificada e falsificação de documentos.

A dois desses responsáveis é imputada ainda a prática do crime de usurpação de funções, por prática ilegal de optometria.

Relativamente aos arguidos beneficiários, estão todos acusados pelo crime de falsificação.

A acusação deste processo, classificado como “de especial complexidade”, indica que os factos ocorreram entre 2009 e 2012, envolvendo uma ótica sediada em Rio Tinto, concelho de Gondomar, distrito do Porto, e 51 beneficiários da Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas (ADM), um subsistema de saúde gerido pelo Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA).

Tudo começou quando, de acordo com o processo, os principais arguidos, pai e dois filhos, descobriram uma forma de ludibriar o sistema, socorrendo-se indevidamente de facilidades criadas por protocolo celebrado entre a ISASFA e a Associação Nacional dos Óticos, de que a ótica de Gondomar era filiada.

O acordo vigorou entre 01 de janeiro de 2009 e 31 de maio de 2012 (sendo denunciado pelo IASFA, após o conhecimento de factos associados ao processo) e reportava-se apenas ao aviamento à aquisição de armações e lentes para correção de défices de visão, mediante receita médica.

Mas no caso da ótica de Gondomar, o esquema montado pelos seus responsáveis permitiu que os clientes beneficiários da ADM levassem, gratuitamente ou a preço de saldo, produtos não comparticipáveis, sobretudo óculos de sol, de marcas conceituadas.

Podiam levar para eles, para amigos ou familiares e até para namoradas/os, como assinala o processo, “sem qualquer custo ou a custo reduzido”.

O almejado objetivo era conseguido faturando esses artigos como óculos graduados e maximizando os limites comparticipados, através do desdobramento de faturas ou de sobrefaturação.

Factos similares envolveram também beneficiários de outro subsistema - Assistência na Doença dos Profissionais da GNR (SAD/GNR – mas o MP determinou o arquivamento desta parte dos autos “por já se mostrar decorrido o prazo prescricional do procedimento criminal quanto aos mesmos”.

Além de prova documental e pericial, o Ministério Público arrolou um total de 925 testemunhas, um número bastante superior ao previsto no Código de Processo Penal, “atenta a excecional complexidade destes autos”.

Ainda assim, refere a acusação consultada pela agência Lusa, trata-se de um número inferior ao das pessoas ouvidas em fase de inquérito, mais de mil, “que permitiram comprovar o esquema engendrado pela sociedade arguida através dos seus legais representantes, mas sobretudo, os elevados proveitos obtidos com a referida prática ilícita”.

O processo, que o Tribunal de São João Novo, no Porto julga a partir de abril, é constituído por um total de 122 volumes, incluindo anexos.

Só o despacho de acusação preenche 507 páginas.

Os beneficiários arguidos repartem-se pelos distritos de Aveiro, Braga, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Portalegre, Porto, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu, bem como pela região Autónoma da Madeira, e de emigrantes radicados no Luxemburgo e Reino Unido

Como assinala o Ministério Público, o esquema “foi amplamente divulgado e levou ao aumento exponencial de clientela”.

A ótica em causa no processo está sediada nos concelhos de Gondomar, Valongo e Matosinhos, tendo três familiares diretos como principais responsáveis.

O IASFA constituiu-se demandante no processo.

O processo indica, entretanto, que 745 outras pessoas investigadas no âmbito deste alegado escapam a este julgamento, já que o seu processo foi autonomizado com vista à suspensão provisória do processo.

Trata-se de uma medida que visa evitar o prosseguimento de um processo penal relativos a crimes menores, homologada por um juiz, em que o arguido aceita a imposição temporária de determinadas regras de comportamento ou injunções.