A doença de Alzheimer é apenas um tipo de demência e sendo uma doença neurodegenerativa é temida por muitas pessoas, principalmente pela população mais idosa. Quantas vezes, nós psicólogos, ouvimos na nossa prática clínica frases como “ando tão esquecida…será que estou com Alzheimer?!” ou “a minha mãe teve Alzheimer… tenho tanto medo de também vir a ter”.
Mas, também surgem, cada vez mais, nas nossas consultas, cuidadores informais exaustos que precisam de ajuda, a vários níveis, nomeadamente a nível psicológico.
Cuidar de uma pessoa com Doença de Alzheimer pode tornar-se uma tarefa muito desafiadora e desgastante. Não é fácil assistir às perdas cognitivas (perdas de memória, orientação espacial e temporal, linguagem, capacidade de raciocínio, concentração, entre outras) das pessoas que mais amamos, pois isso tem grande impacto, em termos práticos, na forma como a pessoa vive e se relaciona e em termos emocionais, na perda gradual daquele familiar, que aos poucos se vai transformando numa “pessoa estranha”.
O doente de Alzheimer, com o evoluir da doença, vai perdendo a sua autonomia, passa a ter de ter ajuda para tudo ou quase tudo, deixando de poder tomar conta de si próprio.
Para o cuidador é difícil conseguir assegurar este cuidado permanente e aceitar, psicologicamente, que os défices provocados pela doença levam a que, muitas vezes, a pessoa se esqueça ou desaprenda a forma como deve comportar-se, como pode executar uma simples ação rotineira (e.g., vestir-se adequadamente, ou, até mesmo, comer). Ou ainda, que perca “os filtros” e passe a dizer tudo o que lhe vem à cabeça, sem noção do que está a fazer, sem constrangimentos nem vergonhas, o que embaraça quem está por perto.
Nem sempre é fácil o cuidador perceber ou aceitar que a manifestação destes comportamentos desafiantes (e.g., repetir muitas vezes uma pergunta que evidencie uma preocupação, reagir agressivamente quando anteriormente era uma pessoa gentil, manifestar comportamentos sexuais socialmente, ou usar linguagem obscena e desapropriada ao momento) não é uma escolha consciente e intencional do doente, mas sim consequência das alterações do funcionamento do cérebro perante a doença.
Tudo isto leva a um turbilhão de emoções, desde a revolta, raiva, frustração, passando pela tristeza, pena ou até mesmo por sentimentos de culpa. Esta difícil gestão emocional aliada às dificuldades, muitas vezes, em encontrar respostas que apoiem a família, quer a nível financeiro (muitos cuidadores têm mesmo de se desempregar), quer a nível social, médico e psicológico, leva a que muitos cuidadores desesperem e cheguem mesmo a desenvolver doenças do foro psicológico, nomeadamente a depressão e a ansiedade, precisando eles próprios de ajuda.
Mesmo quando se aceita que tudo aquilo faz parte da doença, entristece ver todas estas perdas. Ninguém assiste intocável a este doloroso processo degenerativo, ninguém está totalmente preparado para isso.
Por isso, falo hoje destes “outros rostos” do Alzheimer, aos quais é preciso dar particular atenção. É preciso cuidar de quem cuida!
É preciso ajudar os cuidadores a aceitarem e entenderem que também necessitam de tempo para eles, que não são egoístas por isso… são apenas HUMANOS.
Precisam de apoio, de compreensão, de ajuda para validar e aceitar tudo o que estão a sentir, para encontrarem, no dia-a-dia, estratégias eficazes para lidar com os desafios que a doença de Alzheimer lhes coloca e ajuda para desenvolverem a sua resiliência de forma a conseguirem lidar melhor com todo este processo.
Os cuidadores precisam de ser ouvidos, precisam de ser valorizados pela sua dedicação aos familiares a quem prestam os seus cuidados e precisam também de condições para que possam continuar a CUIDAR.
É verdade que já há quem se preocupe com os cuidadores informais e quem perceba a importância do seu papel, tendo já sido feitas algumas conquistas importantes até a nível legal, mas ainda há um longo caminho a percorrer para ajudar efetivamente, com medidas práticas e com impacto positivo na vida destas pessoas, que se confrontam diariamente com a realidade de querer cuidar quem mais amam, e nem sempre o conseguirem fazer.
A população está mais envelhecida, e como tal, a tendência é que as demências passem a afetar cada vez mais famílias. É, por isso, urgente incluir nas intervenções e nos programas e apoios, todos os seus intervenientes e isso tem obrigatoriamente de englobar os cuidadores.
Não esqueçamos de dar voz aos cuidadores… hoje por eles, amanhã por qualquer um de nós.
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