A designação “teletrabalho” remonta, talvez, aos anos de 1970 e significa, como muitas outras variantes dessa denominação, no essencial, o trabalho à distância realizado num local não predeterminado pela entidade empregadora. Daí também a designação de “trabalho remoto”, frequentemente realizado no domicílio do trabalhador (trabalho em casa ou “home work”). A generalização da utilização de meios e tecnologias da informação e, designadamente, de plataformas específicas, só no final da década de 1990, veio de facto a dar-lhe mais visibilidade, ainda que essencialmente confinada a certas actividades profissionais e a certos sectores de actividade económica.
Apesar disso, o número de trabalhadores nessa modalidade de trabalho sempre foi muito pouco expressivo, e muitas vezes mesmo com um perfil híbrido, abrangendo valores muito inferiores a 5% dos trabalhadores (e na sua expressão de exercício permanente, valores até inferiores a 1%) e com uma importante variabilidade entre a América do Norte e a Europa (também com grande variabilidade interna).
Em Portugal esses valores eram ainda menos expressivos e confinados a determinadas actividades profissionais, abrangendo praticamente apenas trabalhadores “white colar”, ainda que no passado algum “trabalho à peça” já adoptasse essa modalidade na indústria cerâmica e no calçado. Esse regime abrangeu, por exemplo, uma minoria de trabalhadores do ensino, da comunicação, da informática e do sector financeiro.
A pandemia, por razões óbvias, revolucionou a realidade sumariamente descrita e essa nova situação veio a colocar aquela modalidade de trabalho na agenda pós-pandemia. Tal (nova) realidade tem colocado, todavia, inúmeras questões, entre as quais se referem as seguintes:
Existirá uma correlação positiva entre essa modalidade de trabalho e a saúde dos trabalhadores?
O aumento do tempo de trabalho que se associa a essa modalidade poderá causar mais fadiga, mais alterações do sono ou mais alterações da saúde mental como o stress ou a ansiedade?
Os teletrabalhadores, com o aumento de autonomia no trabalho que o teletrabalho proporciona, potenciam (ou promovem) a sua saúde?
O “on/off” do trabalho/não-trabalho mais frequente no teletrabalho poderá repercutir-se na saúde do teletrabalhador?
Os modelos teóricos de doença profissional e de acidente de trabalho actualmente existentes serão adequados para compreender essa nova (tele)realidade?
Nos aspectos específicos do Direito do Trabalho, por exemplo no campo concreto da reparação de danos, que novos desafios se colocam aos teletrabalhadores?
Estaremos a dar a necessária atenção, e a desenvolver a necessária regulação, em matéria de interdependências entre o trabalho e saúde, a tal modalidade de trabalho, actualmente bem mais prevalente que no período pré-pandémico?
Os actuais modelos de prevenção dos riscos profissionais, nessa modalidade de trabalho, servirão para alguma coisa?
Serão os novos locais de teletrabalho adequados a essa função?
Uma sala de estar ou uma cozinha, já que raras casas têm escritório, e o respectivo mobiliário servirão para essa nova função?
Um coisa parece certa, as dúvidas das inter-relações e interdependências entre essa modalidade de trabalho e a saúde (e segurança) são em muito maior número que no trabalho tradicional, onde, note-se, já eram muito frequentes. E, tudo leva a crer, os factores de risco relacionados com a actividade (“ergonómicos” para alguns) e os factores psicossociais poderão passar a ter a importância que os factores químicos e físicos adquiriram a partir da primeira revolução industrial. Estaremos todos preparados para isso?
Os recursos dedicados à busca de respostas a tantas novas perguntas e as competências hoje existentes na área da Saúde Ocupacional serão suficientes para a necessária criação (e divulgação) de conhecimento nesse domínio?
Julga-se não ser difícil concluir que as interrogações sobre o teletrabalho são muito mais frequentes que as certezas. Será que o benefício da supressão das deslocações casa/trabalho/casa e o (aparente) conforto do lar são mais vantajosas que o pouco conhecimento, ou mesmo desconhecimento, das respectivas eventuais desvantagens?
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