Este ano, Portugal celebra um marco histórico de extrema relevância: o cinquentenário da sua Democracia. O país, que durante décadas viveu sob um regime autoritário conhecido como Estado Novo, viu a liberdade amanhecer com a Revolução dos Cravos do 25 de abril de 1974. Esta revolução pacífica, liderada por militares e apoiada pela população, não só derrubou a ditadura como também abriu caminho para a instauração de uma democracia plena. Os últimos cinquenta anos foram um período de transformação e progresso, onde Portugal estabeleceu as bases de uma sociedade livre, caracterizada por eleições livres e justas, liberdade de expressão, respeito pelos direitos humanos e sociais. O país, agora membro da União Europeia, testemunhou um crescimento económico e uma modernização significativa em todas as frentes. Mas ainda falta muito por concretizar.
O SNS não é apenas um capítulo da nossa história recente, é um marco indelével da liberdade, igualdade e solidariedade que define o caminho de uma nação. Representa o compromisso inabalável com o acesso universal e equitativo à saúde, destacando-se como uma das maiores, senão a maior, conquistas da democracia portuguesa.
Concebido pela visão de António Arnaut e de uma equipa dedicada de médicos (que não podemos, nem devemos esquecer), o SNS nasceu com a missão de oferecer cuidados de saúde de qualidade a todos os portugueses, independentemente da sua condição económica, social ou do seu local de residência. A iniciativa do Serviço Médico à Periferia foi um esforço heroico para democratizar a saúde, levando milhares de médicos a todos os cantos do país, num período marcado por um altruísmo que buscava iluminar as sombras que cobriram o país em várias áreas, especialmente na saúde.
Construído diariamente por médicos, e tantos outros profissionais da saúde, ao longo de 45 anos, o SNS enfrenta hoje, conforme foi expresso pelo seu Diretor Executivo, Fernando Araújo, o período mais difícil da sua existência. Compartilho plenamente dessa visão. Com 1,7 milhões de portugueses sem médico de família e um cenário de escassez de recursos humanos, que leva ao encerramento de serviços de urgência, entre muitos outros e variados problemas, a situação é crítica.
A falta de condições atrativas no SNS, uma carreira médica incapaz de se adaptar às necessidades de um sistema de saúde em evolução e uma valorização remuneratória insuficiente, tendo em conta a responsabilidade e o papel dos médicos no sistema de saúde, são realidades que precisamos de enfrentar e corrigir urgentemente.
Hoje, o ponto essencial de qualquer reforma é a capacidade de atrair e manter os médicos nos hospitais e centros de saúde. Discutir se o número de estudantes ou de diplomados em medicina é suficiente é distrair-nos, a todos, do que é fundamental: fixar os médicos existentes nas unidades do SNS. É necessário melhorar as condições de trabalho, oferecer autonomia e garantir tempo para formação e investigação, além de revitalizar a carreira médica, com início no primeiro ano do internato e transversal ao setor público, privado ou social. Uma carreira que acompanhe o médico ao longo da sua vida, independentemente da sua tutela ministerial ser da saúde, da defesa nacional, da justiça, do desporto, do ensino superior, da administração interna ou de qualquer outra área governativa. Uma carreira médica única, ligada ao médico e não a uma instituição ou a um setor.
Apesar do cenário difícil e de adversidades constantes, devemos manter a esperança na capacidade de renovação e adaptação do SNS para que continue a cumprir as suas principais missões: resposta assistencial, capacidade de manter uma formação médica de qualidade e investigação. A reforma do SNS, estruturada, pensada e amplamente discutida num princípio participativo e de transparência, é imperativa para o futuro; não podemos permanecer ancorados na visão organizacional de 1979 para resolver os problemas atuais.
Um SNS sustentável e duradouro é, de facto, uma realidade ao nosso alcance. Mas, para isso, é essencial investir continuamente na sua melhoria, promover a participação ativa dos médicos e dos doentes e incentivar uma cultura de humanização e qualidade nos cuidados de saúde, com foco nas pessoas.
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