Os programas e intervenções psicoeducativas podem ser implementados, não apenas e exclusivamente, pelos profissionais da psicologia ou da psiquiatria, mas também, por todas as categorias profissionais (ex.: enfermagem, técnicos de reabilitação psicossocial, serviço social, terapia ocupacional, psicomotricidade, profissionais de educação física, entre muitos outros), assim como, por familiares/cuidadores informais treinados e por peer supporters (pessoas com experiência vivida de doença mental grave que desempenham um papel – que deveria ser já uma categoria profissional no nosso país – junto de pares que estão num processo de recuperação clínica e pessoal/recovery).
A RECOVERY IPSS (www.recovery.pt), a qual me orgulho de presidir, tem uma metodologia assente no paradigma atual dos países desenvolvidos – programas orientados para o recovery – e, felizmente, nas suas 3 unidades especializadas na área da infância e adolescência e na área dos adultos e senescentes, tem, nas suas equipas, estas categorias profissionais e/ou facilitadores treinados em práticas e intervenções psicoeducativas. Aliás, em 2009, a RECOVERY foi distinguida pelo Alto Comissariado da Saúde pela sua metodologia inovadora, nomeadamente, vencendo o prémio com a mesma designada de «Gerar Percursos na Sociedade (GPS) – Barcelos XXI».
De acordo com todos os estudos da comunidade científica e dos organismos competentes a nível internacional e nacional, como é o exemplo da Organização Mundial de Saúde, os programas psicoeducativos são, comprovadamente, eficazes e empoderam, de fora objetiva, pessoas e familiares a aprender o que necessitam acerca da doença mental e a dominar novas formas de viver com ela, reduzindo o stress familiar, providenciando o suporte social e encorajando os elementos alvo da sua intervenção a tomarem controle novamente sobre as suas vidas.
A metodologia da RECOVERY IPSS – «Gerar Percursos na Sociedade (GPS) – Barcelos XXI» -, nasce da crença na epistemologia dos cuidados de saúde mental de base comunitária. Inclui intervenções comunitariamente ativas nas áreas da Habitação, Emprego, Família, Acompanhamento Médico, Psicológico, Social, Localização e Contacto e Sócio-ocupacional, assumindo uma metodologia eclética orientada para o recovery, autonomização e realização pessoal e social de pessoas portadoras de doença mental grave e seus familiares/cuidadores.
Esta metodologia segue procedimentos muito especializados, a serem realizados em vários momentos do processo terapêutico e de reabilitação da pessoa portadora de doença mental (ex.: na admissão/acolhimento, intervenção e follow-up) e inclui, sempre, a pessoa portadora de doença mental grave e seus familiares/cuidadores no processo de recovery, conduzindo à implementação de um projeto de vida da pessoa, tendo em conta as suas características idiossincráticas (cada caso é um caso), sempre numa lógica de case management na comunidade (cada utente, embora seguido por toda uma equipa de forma transdisciplinar, será acompanhado em permanência, ou sempre que assim o deseje, pelo seu terapeuta de referência).
De forma sintética e para não nos alongarmos muito em programas que são ecléticos, holistas e multiaxiais, apresento uma breve sinopse de alguns programas de intervenção psicoeducativos que desenvolvemos na nossa instituição de forma a apoiarmos a pessoa portadora de doença mental grave a desenvolver o seu processo de recovery: Desenvolvimento de mecanismos que permitam estabelecer o contacto com as pessoas que estão isoladas na comunidade ou que recebem algum tipo de apoio de instituições; desenvolvimento de programas de autonomia, treino de atividades básicas e instrumentais de vida diária, treino de gestão de dinheiro e medicação; adoção de um conjunto abrangente de intervenções psicossociais que promovam um continuum de ambientes e de apoios destinados a melhorar ou a manter as competências para as funções executivas e socioprofissionais; Intervenções Unifamiliares: Acompanhamento Psicológico na sua vertente Sistémica/Familiar e Social em contexto formal; Intervenções Plurifamiliares: Grupos de Ajuda Mutua e Formações Pedagógicas; Acompanhamento do utente em todas as especialidades médicas; Apoio na satisfação das necessidades básicas das pessoas, em termos de alimentação, vestuário, habitação, segurança pessoal, cuidados de saúde, bem como na obtenção de rendimentos e outros benefícios a que tenham direito; Estabelecimento de mecanismos de proteção e defesa dos direitos humanos e civis dentro do sistema de saúde mental ou no seu exterior, incluindo meios de informação às pessoas e suas famílias sobre os seus direitos legais e serviços de apoio jurídico; Promover cursos de formação pedagógica destinados aos utentes, aos familiares/cuidadores e aos profissionais de saúde; Promover programas psicoeducativos ocupacionais variados, de lazer, culturais e/ou de valorização pessoal.
Por fim, trabalhar de uma forma orientada para o recovery começa pela consideração dos valores. Um aspeto que se tem tornado evidente de forma consistente nos serviços que têm desenvolvido competências na área do recovery é que os valores estão explicitamente identificados e são utilizados para informar a tomada de decisão diária.
Isto requer três passos: tornar os valores explícitos; integrá-los na prática diária; e adaptar as práticas através da avaliação dos resultados do desempenho.
As pessoas com doença mental grave são pessoas e devem ser trabalhadas de forma psicoeducativa respeitando todos os seus direitos, liberdades e garantias.
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