No início de fevereiro de 2020 o Grupo de Estudo dos Coronavírus, do Comité Internacional de Taxinomia dos Vírus, concluiu que o vírus responsável pelo surto de pneumonia com origem em Wuhan era, de facto, um novo vírus que designou por SARS-CoV-2 (do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavírus 2), irmão do SARS-CoV responsável pelo surto de Síndrome de Pneumonia Aguda Grave em 2002-2003. A doença provocada pelo SARS-CoV-2 foi então designada pela OMS por Covid-19 (do inglês Coronavirus disease 19).

A Covid-19 rapidamente se disseminou por toda a China e, mais lentamente nos primeiros dois meses e meio, para 58 países nos cinco principais continentes. A transmissão faz-se por contágio interpessoal. Desde 28 de Fevereiro a OMS considera o risco de disseminação da doença a nível global como muito alto e o número de novos casos por dia é agora muito maior fora da China do que na China. A saída da China processou-se de uma forma lenta devido às importantes medidas de contenção do surto que foram implementadas e deu tempo para que se conhecessem melhor as características da doença (sintomas e sinais que os doentes apresentam; alterações nos exames clínicos efectuados), a sua gravidade, a mortalidade que causa e a forma com se processa o contágio. Não houve ainda tempo para descobrir um medicamento eficaz para tratar a infecção nem para termos uma vacina disponível. Mas o conhecimento que adquirimos de algumas características da doença é muito importante para que saibamos como devemos proceder agora que a Covid-19 está a chegar.

Em ambiente familiar ou social o SARS-CoV-2 transmite-se com alguma facilidade de pessoa a pessoa de duas formas, através de gotículas e aerossóis emitidos com a tosse, com espirros ou durante uma conversa a uma distância inferior a aproximadamente 1 metro, ou através de contacto como um aperto de mão, um beijo ou um abraço. As mãos, que levamos frequentemente à boca e ao nariz de forma automática, são talvez o principal veículo de transmissão do vírus. Objectos e superfícies, em contacto com as mãos, podem também funcionar como meios de transmissão. O risco de um doente contribuir para a disseminação da doença no seu meio depende do número, da idade e do estado de saúde das pessoas com quem contacte de forma próxima. A probabilidade de contactarmos com uma pessoa infectada, ainda sem diagnóstico, numa viagem de avião, de barco ou de comboio, num hotel, numa instância de neve, numa feira, na bancada dum jogo de futebol, na escola ou no local de trabalho, numa reunião, no café ou no cinema vai ser cada vez maior a partir de agora.

Mas o principal local de contágio é o hospital, exactamente onde estão as pessoas mais vulneráveis e com maior risco de desenvolverem doença grave e morrerem. Têm sido identificados indivíduos que são portadores do vírus e não desenvolvem doença (sem sintomas e sem alterações nos exames efectuados), indivíduos que se mantêm portadores do vírus depois de serem considerados curados e já estão descritos alguns casos de contágio a partir de portadores assintomáticos. Pode haver contágio a partir dum transmissor de doença que não é fácil de detectar. O diagnóstico pode ser difícil porque os sintomas se confundem com os de outras doenças e, num estudo publicado nos últimos dias, 11,3% dos doentes internados nos hospitais chineses por Covid-19 antes de 20 de Janeiro não desenvolveram febre. Se se fizer o rastreio da doença com base apenas na avaliação da temperatura corporal uma percentagem considerável de casos passa despercebida.

É possível evitar que o SARS-CoV-2 entre em Portugal e se dissemine na população? A resposta é não. Muito provavelmente já chegou. Então o que podemos fazer para minimizar as consequências disso? Vamos ter de alterar os nossos hábitos. Vamos ter de deixar de viajar ou viajar menos. Vamos ter de deixar de ir ao futebol. Provavelmente vamos ter de deixar de ir à escola e de trabalhar. Vamos ter de ficar mais tempo em casa. Vamos ter de alterar os nossos hábitos de saudação. Mas acima de tudo não devemos ir a correr para o hospital ao mínimo sintoma de doença porque, se de facto estivermos infectados, vamos colocar muita gente em risco de doença grave e de morte. E eu não posso morrer se não for ao hospital?

O risco não parece ser muito alto. No estudo acima referido, que analisou os registos clínicos de 1099 doentes internados até 20 de Janeiro de 2020 em 522 hospitais de 30 províncias e regiões autónomas da China, foram classificados como não graves na data em que recorrem ao hospital 84,3% dos doentes e a percentagem de doentes que morreram, até à data em que terminou o estudo, foi de 1,4%. Nas estatísticas oficiais da China a taxa de mortalidade é de 3,2%. Os doentes graves eram em média sete anos mais velhos que os não graves, tinham mais doenças crónicas (38,7% contra 21%) e morreram mais (8,1% contra 0,1%); Morreu 1 em cada 1.000 doentes não graves. É ainda possível que pessoas infectadas com poucos ou nenhuns sintomas não tenham recorrido ao hospital e essas não entraram nos cálculos.

Quem tiver sintomas suspeitos (febre, tosse, dores musculares, dificuldade a respirar) deve contactar o SNS24 pelo número 808 24 24 24 e seguir as instruções recebidas. Apenas a pessoa suspeita de estar doente ou com diagnóstico confirmado de Covid-19 deve colocar uma máscara cirúrgica. Além disso deve colocar o antebraço ou um lenço de papel à frente da boca e do nariz quando tosse ou espirra, deitar o lenço de papel no lixo, lavar ou desinfectar as mãos com frequência limitar os seus movimentos em casa e fora de casa ao estritamente necessário. Em casa deve contactar com o menor número de pessoas possível e deve haver cuidado especial com a limpeza do ambiente que frequenta.

O local de tratamento depende, em primeiro lugar, da avaliação médica e tem em conta a gravidade e a estabilidade da doença. O doente que, de acordo com a avaliação médica e social, não é grave, não agrava ao longo do tempo, tem apoio e condições adequadas de cuidados gerais e conforto, deve manter-se em casa e cumprir as medidas de isolamento recomendadas pela DGS e pela OMS. Os doentes graves ou com instabilidade clínica necessitam de internamento hospitalar.

Uma população com melhor conhecimento sobre o vírus e sobre a doença compreende e aplica melhor as medidas recomendadas para diminuir a progressão da Covid-19. O desenvolvimento de imunidade nos infectados que curam, a chegada duma vacina já em investigação e a possível descoberta de medicamentos para o seu tratamento irão conter a doença ou diminuir significativamente a sua progressão.

Não conseguimos prever exactamente o que vai acontecer a seguir, como vai evoluir, quanto tempo vai durar, como vai acabar a crise sanitária que vivemos e quais as repercussões que terá a todos os níveis, mas podemos minimizar o seu impacto negativo se formos solidários, se agirmos com serenidade e bom senso e se tomarmos em cada momento as medidas mais adequadas. A DGS em Portugal, a ECDC na Europa e a OMS a nível global acompanham continuamente a situação e fornecem recomendações actualizadas. Estejamos atentos e sigamos essas recomendações.

Um artigo de opinião de Alfredo Martins, médico Internista e coordenador do Núcleo de Estudos de Doenças Respiratória (NEDRESP) da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI).