O ex-presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) foi ouvido hoje pelo Grupo de Trabalho da PMA na Assembleia da República, que está a debater cinco projetos de lei que visam a criação de um regime transitório para salvaguardar as doações de gâmetas e embriões feitas antes do acórdão de 24 de abril do Tribunal Constitucional e ultrapassar os obstáculos criados com esta decisão.

“O que passa em Portugal na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional de 2018” de acabar com o anonimato dos dadores por razões ideológicas “não é nada inédito”, tem acontecido pela Europa, como no Reino Unido, Escandinávia ou na Suécia.

Mas se a decisão não for por razões ideológicas, “é algo de inelutável”, contra a qual não é possível lutar, afirmou Miguel Oliveira e Silva.

“Não se pode falar de uma nova lei de Procriação Medicamente Assistida sem lamentar, denunciar e interrogar porque motivo não há em Portugal um banco público de gâmetas ou se há é absolutamente residual”, salientou.

Isto quer dizer que “a inseminação artificial heteróloga em Portugal é quase monopólio do setor privado” e que “qualquer lei que se faça é para benefício dos privados”, o que é “uma contradição enorme numa altura em que supostamente se está a fazer uma nova Lei de Bases de saúde em que vai haver um acordo entre o PS, o PCP e o BE”.

Miguel Oliveira e Silva ressalvou, no entanto, que concorda que se tem que se fazer uma nova lei porque não se pode desperdiçar o material biológico obtido antes de 24 de abril.

No início da audição, Miguel Oliveira afirmou que se iria falar de “um problema importante, que é tentar não perder material biológico” obtido até ao dia da decisão do Tribunal Constitucional.

“Isto envolve muitos interesses, muito dinheiro, isto tem que ser dito desde o princípio. Dito isto tenho que fazer a minha declaração de conflitos de interesse”, começou por dizer.

“Sou professor da Faculdade de Medicina, sou médico obstetra-ginecologista no Hospital Santa Maria (…) e o que vá dizer aqui hoje não afeta em nada a minha carreira profissional nem os meus ganhos financeiros nem aquilo que ganho ao fim do mês”, sustentou.

Miguel Oliveira e Silva ressalvou que não tem “quaisquer interesses, nem financeiros nem outros dependentes das consequências” do vai ser dito na audição e da nova lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA).

Na audição, questionou porque é que “não há um banco público de gâmetas em Portugal”, dando o próprio a resposta: “porque há quem não o queira porque isto move interesses privados”.

Observou ainda o facto de o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida não ter capacidade de fiscalizar os centros de PMA, questionando: “Então para que é que existe se não tem meios para os fiscalizar”.

Lamentou ainda nunca ter ouvido nenhuma declaração de conflito de interesses a nenhum elemento do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, o que diz ser “pura e simplesmente inaceitável”.

“Tanto mais que o chamado núcleo duro do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida que já lá está há 12, 13 anos e se prepara para ficar pelo menos 16 porque não há limitações de mandatos, o que é inaceitável, mas não é uma coincidência”, afirmou.

Este núcleo duro “é constituído por colegas que têm enormes interesses financeiros e profissionais em centros privados para Procriação Medicamente Assistida como é público e notório e a Assembleia da República não pode ignorar isto e não pode continuar de braços cruzados perante uma situação que choca totalmente” do ponto de vista ético, denunciou.