A definição de doença rara por decisão do Parlamento Europeu é qualquer doença com prevalência igual ou inferior a 5 em 10.000 indivíduos (ou 1 em 2 000). Cerca de 80% destas são genéticas, mas não são todas. Há doenças raras auto-imunes, cancros raros e outros, aos quais não se reconhece atualmente uma causa genética. As doenças raras são raras por si só, mas são frequentes no seu conjunto e estima-se que existam entre 5.000 a 8.000 doenças raras e que 6% da população portuguesa, ou seja, 600.000 indivíduos, padeçam de uma doença rara.

A doença genética resulta de um erro no nosso código genético (genoma), pois o nosso genoma é constituído por 3 biliões de bases, representadas com as letras A, T, C e G e encerra, em código, a informação que faz de nós o que somos. Aos segmentos que são traduzidos para proteínas chamamos de genes. Os genes são assim as instruções e as proteínas codificadas, e as ferramentas com que se constrói um ser.

Existem alterações neste código que introduzem uma variação individual, mas muitas delas alteram a proteína para limites que ultrapassam a sua funcionalidade. Infelizmente, há pouco espaço para a variação: apesar da multiplicidade de características que nos diferenciam, muito mais é aquilo que partilhamos. Múltiplas células, órgãos e sistemas, com funções próprias e complexas estão dependentes do correto funcionamento das proteínas.

Algumas alterações têm consequências tão graves que não são compatíveis com a vida, sendo que outras dão origem à doença: malformações congénitas, atraso do desenvolvimento psico-motor ou perturbação intelectual, dismorfismos, patologia grave de órgão como surdez ou cegueira, patologias neurodegenerativas (na criança ou no adulto), cardiomiopatias, oftalmopatia como retinopatias pigmentares e predisposição para cancro. É de referir que todas estas apresentações têm indicação para consulta de Genética Médica. 

A importância da Genética Médica nas Doenças Raras

O objectivo da consulta de Genética Médica é o diagnóstico e, por meio deste, o maior conhecimento da doença, o que permitirá uma melhor vigilância, uma antecipação de cuidados, para determinar riscos de recorrência para o próprio e respetivos familiares, oferecendo opções reprodutivas (recorrendo a diagnóstico pré-natal ou pré- implantação) e cada vez mais terapias personalizadas.

São ainda muito poucas as doenças genéticas com terapias potencialmente curativas, mas grandes avanços aconteceram nos últimos anos. O conhecimento do gene e via específica onde ele se situa permite o desenvolvimento de terapias mais eficazes e com menos efeitos secundários (muitos já são aplicados na área da oncologia e outras patologias genéticas como a neurofibromatose tipo 1, fibrose quística e algumas doenças metabólicas). Aqui, o objetivo será sempre o de substituir um gene defeituoso e abordagens como a entrega de um novo gene (terapia genética) e a reparação do existente (edição genética) são alvos de extensa investigação. Doenças como a atrofia músculo-espinhal (SMA) e uma forma de retinopatia pigmentar (por variantes patogénicas no gene RPE65) são dois exemplos de patologia genética com terapia já aprovada.

Desafios

Contudo, as consultas são repletas de desafios, devido à odisseia para chegar a um diagnóstico, a disponibilidade, as possibilidades e os limites dos testes genéticos, o tempo de resposta e as variantes que ainda não conseguimos classificar. A parca informação sobre um gene ou grande parte das doenças, o facto de a consulta especializada não existir, ou a terapia personalizada, ou o ensaio clínico, traduz, muitas das vezes, uma falta de investimento pela raridade da patologia.

O estudo é constante e não raras são às vezes em que desejei ser duas pessoas, em que me senti incapaz de oferecer aos doentes todas as respostas que desejavam, em que verti uma lágrima ou chorei de impotência. Mas menos raras são as lições de todos os dias, lições de força, de superação, e, apesar de tudo, da importância das pequenas conquistas, da esperança e da partilha.

O doente raro pode sentir-se muitas vezes só, mas não deve! Porque a sua doença é rara, mas a sua luta e desafios são abundantes e partilhados. Aqui, o trabalho das associações de doentes e da RD-Portugal (como representante das mesmas em Portugal) é importantíssimo, para que estes doentes tenham voz. Uma voz para exporem a sua doença, para pedirem apoios, terapias, investigação e soluções.

A palavra rara em doença rara não pode traduzir solidão, invulgar ou escassez. Esta tem de trazer consigo a força de muitos doentes que procuram respostas e caminhos de inclusão.

Um artigo da médica Marta Zegre Amorim, especialista em Genética Médica e Membro do Conselho Científico da RD-Portugal.