19 de agosto de 2014 - 10h01
Colocado num caixão desinfetado, ao lado de outros cadáveres envoltos em sacos, o médico Modupeh Cole foi enterrado sem flores nem coroas fúnebres, longe dos seus.
Este médico, um especialista de renome do hospital Connaught de Freetown, capital da Serra Leoa, morreu duas semanas depois de ter sido infetado com o vírus Ébola.
Ao examinar um doente que, segundo os colegas, foi o primeiro caso de Ébola neste hospital com 102 anos de existência, não tinha a menor ideia do risco que corria. Pouco depois de atender o paciente, o médico começou a queixar-se de febre alta e fortes dores de cabeça.
Na falta de estruturas especializadas na capital, Cole foi transferido para um centro de tratamento do Ébola da organização não-governamental Médicos sem Fronteiras (MSF) em Kailahun, no leste do país, onde se concentra a epidemia, e onde morreu poucos dias depois.
Segundo Samuel Patrick Massaquoi, diretor do hospital de Kailahun, o efeito surpresa não deu hipóteses ao médico.
Desde o início da epidemia, "os adultos, em particular, escondem os sintomas e não dizem como se sentem", lamenta este médico. "Chegam a qualquer hospital do país e dizem que sofrem de malária ou de febre tifoide”.
Os últimos dias de uma vítima de Ébola podem ser terríveis, com dores musculares, vómitos, diarreia e hemorragias por todo o corpo.
E os funerais dão pouco consolo. Os objetos pessoais dos doentes são queimados e os enterros realizados apenas na presença dos coveiros.
"Muitas vezes, as famílias não assistem aos enterros por Ébola. Vêm até cá depois, porque conservamos uma lista das pessoas sepultadas e do local do enterro", diz um encarregado do Ministério da Saúde.
A retirada do corpo do médico Modupeh Cole do centro da ONG em Kailahun não foi exceção. Não houve uma cerimónia em sua memória, mas uma operação realizada com precisão cirúrgica.
Com trajes de proteção, os membros da equipa da MSF desinfetaram meticulosamente o saco mortuário e o carro onde foi trazido, antes de depositá-lo num caixão previamente desinfetado.
Este médico se é mais um dos profissionais de saúde mortos na luta contra o Ébola.
Os serviços de saúde serra-leoneses confirmaram, a 14 de agosto, que 32 enfermeiras tinham sucumbido ao Ébola desde o final de maio, ou seja, quase 10% dos casos mortais registados no país.
No Parlamento, o encarregado dos serviços médicos, Brima Kargbo, destaca a ingratidão da população.
"Há uma recusa em (aceitar) a existência do Ébola e uma hostilidade em relação aos trabalhadores de saúde", disse.
Saffa Kemoh, membro da equipa encarregada dos enterros das vítimas da febre hemorrágica, destaca que os seus amigos não se aproximam dele e que é renegado pela família.
Ella Watson-Stryker, de 34 anos, organizadora da MSF, que participa na luta contra o Ébola desde o anúncio, em março, da epidemia na vizinha Guiné, está revoltada.
"Eles (os trabalhadores) têm muitos problemas no regresso a casa. Tinha um membro do pessoal que tinha um pai que se recusava a falar com ele. Em alguns casos, os próprios familiares pedem para que durmam fora de casa", explica.
Por SAPO Saúde com AFP