O presidente da secção regional Sul da Ordem, Alexandre Valentim Lourenço, que é médico obstetra, alerta que as equipas estão esgotadas e que há até médicos a desistir do sistema, como o caso de um diretor de obstetrícia que pediu reforma compulsiva aos 59 anos.

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Em entrevista à agência Lusa, Alexandre Valentim Lourenço queixa-se da ausência de medidas da tutela para resolver os problemas identificados pelos profissionais, sobretudo em relação ao período do verão, depois de em final de junho terem sido apresentadas propostas pela Ordem.

“Estamos a viver a síndrome da avestruz. Pomos a cabeça na areia para fingir que o problema não existe. E o problema está a agravar-se e qualquer dia a avestruz morre. Não se reconhecem os problemas e não se faz esforço. Não se recompensam os profissionais pelo esforço sobre-humano que fazem”, lamentou o representante da Ordem na região Sul, onde a falta de profissionais nas maternidades é mais sentida.

Para o médico, o limite já foi atingido e os profissionais estão “muito cansados”.

Em julho e já nesta primeira semana de agosto, nos vários hospitais da região de Lisboa e sul do país as escalas da urgência de obstetrícia estão incompletas por vários dias, havendo défice de anestesistas, neonatologistas (sobretudo no Algarve) e de obstetras.

“As equipas não estão completas e o esforço de resolução do problema é feito com muitas horas suplementares. Nos serviços de urgência há médicos a fazer 100 a 130 horas por mês, além das urgências normais no mês de julho”, exemplificou.

À falta de profissionais, veio juntar-se um acréscimo de trabalho. No Santa Maria, em Lisboa, por exemplo, as urgências de obstetrícia funcionavam há seis anos com equipas completas e tinham 12 mil episódios num ano. No ano passado, o fluxo de urgências foi de 18 mil episódios, enquanto se assistiu a uma diminuição do número de médicos.

Alexandre Valentim Lourenço lembra que “equipas muito cansadas” se podem traduzir numa “pior qualidade dos serviços”, levando até a aumentar as listas de espera para consultas e cirurgias, porque os médicos têm de estar mais centrados.

O representante da Ordem teme ainda que o cansaço e saída do SNS de profissionais diferenciados façam com que tenha de se passar a fazer obstetrícia “sem obstetras”, recorrendo a médicos sem especialidade ou indiferenciados.

Na prática, isto já acontece nalguns casos. Segundo Valentim Lourenço, têm sido contratadas empresas de médicos tarefeiros para suprir as falhas de pessoal para resolver “temporariamente os problemas”.

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Contudo, isto cria outros problemas, porque “uma boa parte” desses médicos não são especialistas e não são responsáveis por cuidados contínuos.

Além disso, esses tarefeiros estão a receber valores “duas a quatro vezes superiores aos médicos do quadro muito diferenciados”, o que faz aumentar a desmotivação e o desânimo dos profissionais.

Alexandre Valentim Lourenço avisa que nos últimos dois anos pioraram em Portugal os indicadores da mortalidade materna e que no último ano também aumentou a mortalidade infantil (até 12 meses de idade), sobretudo nas mortes pouco tempo após os partos.