10 de dezembro de 2013 - 11h45

A Maternidade Alfredo da Costa (MAC) recorreu da condenação de pagar 172.000 euros por negligência médica numa cirurgia do foro ginecológico realizada em 1995 e que deixou uma mulher com lesões irreversíveis e uma incapacidade permanente de 73%.

Segundo o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, a que a agência Lusa teve hoje acesso, o Centro Hospitalar de Lisboa Central - ao qual pertence a MAC - argumenta, entre outras razões, que a sentença da primeira instância "violou" vários artigos do Código do Processo Civil, "fez uma errada interpretação dos factos provados e não provados" e que "não houve um nexo de causalidade" entre a cirurgia e as lesões da doente.

"A paciente esteve 18 anos à espera que fosse feita justiça. Uma vez que ficou demonstrado que existiu negligência dos médicos que a operaram, que nunca foi procurada por qualquer pessoa da maternidade para se inteirar da sua situação, a utente acreditou que com uma sentença judicial o processo finalmente chegaria ao fim. Este recurso, vindo de uma entidade pública, demonstra o total desrespeito pelos cidadãos", lamentou à Lusa o advogado da vítima.

Vítor Ribeiro sublinhou que, perante o comportamento da MAC, vai também apresentar recurso, no qual pedirá que o montante da indemnização a pagar pela maternidade seja superior aos 172.000 euros estipulados pelo tribunal da primeira instância.

Alem disso, o advogado vai interpor uma ação no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a pedir a condenação do Estado português neste caso.

A Lusa contactou o Centro Hospitalar de Lisboa Central, mas não obteve qualquer resposta.

A sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), proferida em outubro deste ano, explica que durante a intervenção cirúrgica do foro ginecológico [realizada em 1995] a equipa médica "lesou parcialmente" o nervo pudendo, que controla a continência urinária e fecal, deixando a paciente "inválida para toda e qualquer profissão".

Treze anos depois, o tribunal de primeira instância deu razão à
paciente, que à data dos factos tinha 50 anos, e condenou a MAC ao
pagamento de 172.000 euros, acrescidos de juros.

O caso só chegou
à Justiça em 2000, depois de a mulher ter realizado exames numa clínica
privada (em 1999), que provaram que o seu estado de saúde era resultado
do erro médico cometido no decorrer da cirurgia realizada na MAC, em
1995. Após a operação, a utente continuou a ser seguida pelo serviço de
ginecologia da maternidade.

A 12 de outubro de 1999, o presidente
de uma junta médica subscreveu o "Atestado Médico de Incapacidade
Multiuso", o qual refere que a paciente "apresenta deficiências" que, de
acordo com a tabela nacional de incapacidade, "lhe conferem uma
incapacidade permanente global de 73%, desde 1995".

O TACL atribui responsabilidades à equipa médica.

"A
atuação é ilícita e culposa, por violadora das leges artis (leis da
medicina), que lhe impunha o cuidado de não lesar o nervo pudendo da
utente, pelo que o seu comportamento ficou abaixo do standard
técnico/científico que era exigível a um ginecologista cirurgião médio".

A
MAC e a equipa responsável pela cirurgia - composta por uma cirurgiã,
duas ajudantes e um médico anestesista - ainda invocou a prescrição, o
que foi recusado.

O tribunal também não deu provimento à
contestação apresentada pela MAC e pelos clínicos que refere, entre
outros fundamentos, que as queixas da paciente para não trabalhar são do
"foro psiquiátrico", que a mulher, "antes da operação, já sofria de
incontinência" e que "tinha tido dois partos vaginais, um deles em casa e
com um bebé de 4.000 gramas [20 anos antes]".

SAPO Saúde com Lusa