A história do combate ao tabaco na Nova Zelândia merece ser analisada. A determinação das políticas públicas de saúde têm produzido resultados interessantes, que podem ser adaptados à nossa realidade.
Na primeira metade dos anos 80, a Nova Zelândia apresentava prevalências de consumo de tabaco semelhantes às portuguesas. Cerca de 35% da população adulta consumia tabaco regularmente. Em 1984, o país insular inicia uma séria de medidas de saúde pública que tinham como objetivo a redução da população fumadora. Desde um aumento dos preços de 70% num espaço de apenas 5 anos, a introdução de avisos sobre os malefícios de fumar nos maços de tabaco, assim como, a passagem de legislação sobre proibição de fumar em alguns locais.
Tudo conjugado, provocou uma diminuição de 10 pontos em menos de uma década, demonstrando, inequivocamente, que é possível derrotar a pandemia do tabaco. Outras medidas foram introduzidas, e a taxa de consumo regular de tabaco diminuiu para os 20% em 2010. Este ano marca, decisivamente, a história não só do país, mas mundial, no combate contra o tabagismo. O ministério da saúde anuncia o plano de aumento de impostos sobre o tabaco, que consistiu num corajoso aumento de 10% por ano, todos os anos, durante uma década. No ano seguinte, é formalmente apresentado o plano para tornar a Nova Zelândia o primeiro país sem tabaco em 2025.
A taxa de prevalência situa-se, hoje em dia, nos 9%. É um número que engana, pois não reflete as desigualdades sociais. Como qualquer problema de saúde, também o tabaco sofre influência dos determinantes sociais da saúde. Indivíduos desempregados, com menor escolaridade, divorciados ou com menor rendimento, tendem a fumar mais. No caso da Nova Zelândia, é notória esta influência quando se compara a taxa de prevalência na comunidade Maori, cerca de 30%, com os 9% da população adulta total.
Em Portugal, cerca de 16,8% da população no continente era fumadora em 2019. Um valor superior ao apresentado pela Nova Zelândia, que se explica pela recente timidez que as políticas publicas desta área têm demonstrado. Na região autónoma dos Açores, este indicador tristemente ascende aos 27%. Trata-se de mais uma boa demonstração prática, de um poder político mais preocupado em agradar ao lobby da indústria, que na promoção da saúde da população pela qual deveria estar responsável.
Estes ensinamentos são úteis e não devem ser esquecidos. É preciso coragem para defender a saúde e implementar políticas que priorizem a saúde dos cidadãos, e não os interesses de indústrias particulares. A dimensão das desigualdades em saúde não pode ser negligenciada. Qualquer programa de intervenção comunitária deve ser sensível às variações sociais, adaptando-se, procurando dar respostas diferenciadas aos diferentes grupos. Também nos remete para a dimensão social da saúde, onde uma abordagem multissetorial, envolvendo o setor social, educativo e poder local, traria melhores resultados em saúde, que apenas uma abordagem centrada na saúde. A título de exemplo, sabendo que indivíduos desempregados tendem a apresentar maiores taxas de consumo de tabaco, a abordagem não se pode resumir a reforçar os programas de cessação tabágica para este grupo. Envolvendo o setor social, a estratégia tem de passar por criar estratégias para o regresso ao trabalho ativo.
A última lição a retirar refere-se ao processo em si. Uma das vantagens da Nova Zelândia na consecução deste objetivo, foi a forma como simplificou e abandonou o paradigma medicocêntrico. Em Portugal, tendemos a colocar os profissionais médicos no centro de todos os programas e intervenções, quando poderíamos simplificar, com ganhos evidentes para o sistema e utentes, ao promover e dar esta centralidade aos enfermeiros e farmacêuticos. Não aproveitamos todas as competências destes profissionais, que seriam bastante úteis e decisivos para alargar o acesso da população aos cuidados de saúde que necessita. Redefinir os papéis sociais da saúde, tem como consequência imediata aumentar o acesso e diminuir as desigualdades em saúde. Avancemos sem medo!
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