João, 57 anos, tem a doença de Charcot Marie Tooth, uma neuropatia rara e degenerativa que leva ao atrofiamento dos músculos das pernas, tendo marcado a primeira junta médica ainda nos anos de 1990 para a compra da primeira viatura. Foi-lhe passado um atestado médico de incapacidade multiúsos (AMIM) com um grau de incapacidade de 75%.
Na altura, o processo foi simples e rápido e permitiu-lhe ter desconto no valor de imposto automóvel (IA – atual imposto sobre veículos) e do IVA. Mais tarde, com a necessidade de troca de viatura, voltou a passar pelo processo, mas, apesar de a doença se ter agravado, constata que as alterações às tabelas de incapacidades fizeram com que o seu grau de deficiência baixasse para 60%.
“Até digo em brincadeira aos amigos que agora quando for novamente a uma junta médica não vai haver problema porque eu vou estar de saúde. Já estou de cadeira de rodas e tudo, mas pela nova junta médica, por este andar da situação, eu devo ter para aí 30% só [de incapacidade] ”, ironizou.
João explicou que os benefícios fiscais e outro tipo de apoios variam consoante o grau de incapacidade, pelo que entendeu que deveria marcar novamente uma junta médica para aferir aquilo a que tem direito ou para ter em dia tudo o que for necessário para quando chegar a altura de pedir a reforma por invalidez.
Fez esse pedido em junho de 2022 e até agora nenhuma informação sobre o estado do processo, admitindo que ainda não teve nenhum prejuízo direto por causa disso, além do tempo de espera que vai já em sete meses.
De acordo com a legislação em vigor, a junta médica deve ser marcada até 60 dias após a apresentação do respetivo requerimento, mas a Unidade de Saúde Pública Professor J. Pereira Miguel (Loures/Odivelas), por exemplo, informou uma utente que a lista de espera para a marcação de uma junta médica é de 18 meses, de acordo com mails a que a Lusa teve acesso, datados de outubro de 2022.
A Associação Portuguesa de Deficientes (APD) diz que “continua a receber várias queixas sobre os atrasos na marcação das juntas médicas” e refere ter “conhecimento de atrasos na marcação (…) que podem levar a tempo de espera até dois anos”, adiantando que já antes da crise pandémica havia “atrasos de seis meses a um ano tanto para aquisição pela primeira vez do AMIM, como para situações de reavaliação”.
“Já nesse período assistíamos à dificuldade que as pessoas tinham em pedir apoios económicos através da Segurança Social, como é o caso da Prestação Social para a Inclusão, que tem a obrigatoriedade de apresentar o AMIM, como através das finanças para obtenção de benefícios fiscais, tais como a dedução de IRS, aquisição de veículo e até mesmo o acesso ao crédito à habitação bonificado para pessoas com deficiência”, disse a APD à Lusa.
Nathan é outro caso que comprova os atrasos na marcação de uma junta médica para avaliação de grau de incapacidade, para a qual apresentou requerimento em 20 de julho de 2021, ou seja, há 18 meses, e a quem a única explicação dada foi justificada com a pandemia da covid-19.
“Não [me deram prazo] e quando a minha mãe foi perguntar, no ano passado, quando fez um ano, disseram que estavam a chamar as pessoas que fizeram o requerimento em 2019. Isso em 2022. Como o meu foi em 2021 ainda estamos à espera”, contou.
Disse saber de um outro caso, de uma pessoa que conheceu no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, que fez o requerimento em 2020 e foi chamado para uma junta médica em novembro de 2022, o que leva Nathan a acreditar que seja chamado ainda durante este ano.
Nathan teve um acidente rodoviário em setembro de 2019, do qual resultou um traumatismo cranioencefálico grave, estando desde essa altura a fazer reabilitação. A mãe só apresentou o requerimento para a junta médica dois anos depois do acidente e Nathan explicou que será necessária para aferir o seu atual grau de incapacidade, que desconhece, mas também para ter direito a dístico de estacionamento, por exemplo, depois que lhe seja passado o atestado médico de incapacidades multiúso (AMIM).
As dificuldades na emissão ou revalidação do AMIM, por causa dos atrasos na marcação das juntas médicas, têm tido a atenção da provedora de Justiça, que desde 2020 tem feito várias recomendações. Ainda nesta semana, Maria Lúcia Amaral enviou um ofício ao secretário de Estado da Saúde a alertar para a urgência de prorrogar a validade dos AMIM.
Por outro lado, em finais de 2022, quatro projetos de lei do BE, Chega, Livre e PCP, que pretendiam agilizar o acesso às juntas médicas para emissão de atestados de incapacidade multiúso, foram rejeitados com os votos contra da bancada socialista, com o argumento de que o Governo já tinha tomado medidas para minimizar os atrasos, agravados durante a pandemia da covid-19.
No entanto, na semana passada, o coordenador do Movimento Cidadão Diferente, um movimento cívico de defesa das pessoas com deficiência, dava conta de que centenas de pessoas estarão sem conseguir aceder a prestações sociais ou benefícios fiscais devido aos atrasos.
A APD, por seu lado, sugere um reforço da informação que é disponibilizada sobre o AMIM, dando conta que muitas vezes “os serviços remetem as pessoas para novas juntas médicas com a indicação de que o AMIM não está válido, quando na realidade isso não acontece”.
“Por vezes, até as próprias juntas médicas dão informações incorretas”, refere a APD, que recomenda também a prorrogação da validade dos atestados e outras medidas capazes de compensar as pessoas com deficiência.
A Lusa contactou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que tutela a área da deficiência, mas continua sem resposta.
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