A investigação também conseguiu explicar o que acontece quando um paciente deixa de responder ao tratamento, o que pode fornecer pistas importantes sobre como combinar o enasidenib com outros medicamentos anticancerígenos, de forma a produzir remissões mais duradouras e a prevenir recaídas.
O estudo, publicado na Nature Medicine, é uma colaboração internacional entre investigadores franceses, britânicos e norte-americanos.
A leucemia mieloide aguda é um dos cancros mais comuns e agressivos, em que cerca de 12 a 15% dos pacientes apresentam uma mutação no gene IDH2, que impede que as células da medula óssea se diferenciem ou se desenvolvam nas células sanguíneas que são necessárias para a vida. Em vez disso, essas células imaturas acumulam-se na medula óssea e no sangue, o que é uma caraterística da doença.
Pesquisas anteriores, realizadas pela mesma equipa, mostraram que o fármaco em estudo estimulou a diferenciação das células do sangue e restaurou a produção normal de células sanguíneas.
Um ensaio clínico de fase I / II mostrou que o fármaco foi eficaz em 40 % dos pacientes com leucemia mieloide aguda com uma mutação no IDH2 cujos tratamentos anteriores tinham falhado; este fato levou a que os reguladores de saúde norte-americano e europeu, FDA e EMA, respetivamente, aprovasse o enasidenib em 2017.
Contudo, após uma média de quase 9 meses, o cancro retornou nesses pacientes.
"O enasidenib é um novo tratamento que pode vir a ser muito importante. No entanto, os estudos iniciais não mostraram quais as células de leucemia mieloide aguda responderam ao enasidenib e começaram a se diferenciar novamente. Também não ficou claro como as células se tornam resistentes à terapia, e nós quisermos ver essas perguntas respondidas", disse um dos investigadores.
Usando amostras de 37 pacientes no estudo que responderam positivamente ao enasidenib, a equipa examinou marcadores na superfície das células da medula óssea para identificar as diferentes populações de células da medula óssea, de células imaturas, de células indiferenciadas, chamadas de células progenitoras, e até de células maduras e diferenciadas.
"Nós podemos imaginar a medula óssea como uma linha de montagem que constantemente precisa de produzir células sanguíneas maduras. Num paciente antes do tratamento, esta linha de montagem fica bloqueada. Usando técnicas especializadas, estudámos as células da medula óssea de pacientes para descobrir de que forma a linha de montagem da medula óssea fica bloqueada e como o enasidenib pode ajudar a promover a diferenciação para desbloquear essa mesma linha de montagem", explicaram.
Como a leucemia mieloide aguda é causada por erros na sequência do ADN, ou mutações, nas células do sangue, a equipa estudou a composição genética das células de leucemia mieloide aguda e descobriram que essas células de um mesmo paciente podem ser agrupadas em famílias que compartilham mutações genéticas, chamadas clones. Células pertencentes ao mesmo clone ou família, vêm da mesma célula ancestral. Entender como os clones se relacionam é importante, pois eles fornecem informações sobre como a leucemia mieloide aguda se desenvolveu, em primeiro lugar.
"Quando um paciente com leucemia mieloide aguda faz um teste de medula óssea, estamos como que a tirar uma fotografia à árvore genealógica das células de leucemia. No decorrer do tratamento da doença, há mudanças na dinâmica familiar, pois alguns clones morrerão e outros irão crescer. Em cada cancro existem várias famílias ou clones de células cancerígenas. Neste caso, e em pacientes com leucemia mieloide aguda, pudemos ver como elas respondiam ao enasidenib. Utilizámos técnicas para estudar mutações genéticas, célula por célula, e reconstruímos a árvore genealógica da leucemia mieloide aguda de um paciente; depois rastreámos as mudanças na família de células de leucemia mieloide aguda à medida que elas respondiam ao enasidenib e como os pacientes perdiam a resposta ao vírus. Esta é a primeira vez que alguém fez um estudo tão detalhado, mas como o enasidenib é um novo medicamento para o tratamento da leucemia, era vital que entendêssemos os seus efeitos nas células”, lê-se no artigo.
"Fornecemos provas genéticas de que o enasidenib foi capaz de diferenciar as células cancerígenas para que algumas das suas funções normais fossem restauradas, mesmo que elas ainda contivessem a mutação IDH2. Isso é importante porque, a menos que possamos rastrear esses clones, não sabemos se as células maduras de um paciente são provenientes de células normais, depois de todas as células cancerígenas terem sido eliminadas, ou de células leucémicas que são capazes de amadurecer. Neste trabalho, mostrámos que em 4 dos 5 casos, as células maduras são provenientes de células leucémicas da medula óssea que podem ser induzidas para se diferenciar por este novo fármaco”, continuaram os especialistas.
O cancro retornou em quase todos os pacientes no estudo clínico, e a equipa conseguiu mostrar pela primeira vez que as células leucémicas pararam de responder ao enasidenib quando alguns dos clones desenvolveram mutações adicionais.
Estes novos sub-clones são resistentes ao enasidenib, o que fornece pistas sobre o mecanismo de resistência ao fármaco e pode ajudar na elaboração de futuros testes terapêuticos para superar a resistência à terapia. Este fato também pode significar que o enasidenib precisa de ser combinado com outros medicamentos para prevenir a recaída; por isso mesmo, já existem ensaios clínicos que começaram a investigar se os pacientes respondem a essas combinações.
"O enasidenib é um bom exemplo de uma terapia moderna contra o cancro que visa especificamente as células cancerígenas, poupando as células normais e, nesse sentido, é muito segura e tem efeitos secundários limitados. Agora que mostrámos que este medicamento precisa de ser combinado com outros para impedir a recidiva, acreditamos que é importante que a terapia combinada seja administrada a pacientes com leucemia mieloide aguda no início da doença”, concluíram os autores, que acreditam que esta abordagem pode vir a ser “aplicada a qualquer tipo de cancro”.
Fonte: PIPOP
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