Hugo Ribeiro dá a sua opinião sobre a aprovação da canábis para fins medicinais em Portugal. O paliativista fala das vantagens desta nova opção terapêutica no controlo dos sintomas dos doentes em Cuidados Paliativos, assim como dos desafios que ainda se colocam e que terão de ser ultrapassados. Até agora, segundo refere, os resultados têm sido “bastante satisfatórios”.

Healthnews (HN) – Qual a sua opinião em relação à aprovação da primeira e única substância à base de canábis para fins medicinais em Portugal?

Hugo Ribeiro (HR) – Todos os que lidam com doentes com necessidades paliativas, independentemente da progressão da doença, só poderão estar satisfeitos com o aparecimento de mais uma terapêutica no seu leque de opções. O facto de, hoje, já termos a canábis medicinal disponível não invalida os outros tratamentos, bem pelo contrário. O alívio de sintomas e do sofrimento associado é uma obrigação ética para todas as áreas médicas.

O facto de termos várias opções, com características próprias, incluindo vias de administração diferentes, é, só por si, um auxiliar na decisão clínica. São sempre bem-vindos quaisquer tratamentos que reúnam evidência científica robusta sobre a sua eficácia e segurança.

HN – Quase seis meses após a introdução da flor de canábis no mercado, qual o feedback que tem tido oportunidade de recolher junto dos seus doentes?

HR – A experiência ainda é escassa, pelo que será demasiado especulativo apresentar feedback, que se pretende que seja alargado. Os doentes, regra geral, querem um controlo ou pelo menos alívio sintomático, independentemente do medicamento. As vantagens no potencial controlo de vários sintomas são claras e bastante úteis em qualquer nível de cuidados paliativos; a desvantagem é o custo para o doente. A escolha pela utilização deste fármaco tem que ter em conta todos estes fatores. Até agora, nos doentes em que introduzimos a terapêutica, os resultados foram bastante satisfatórios.

HN – Entre as indicações aprovadas pelo Infarmed para a flor de canábis para fins medicinais, existem três que parecem ter enquadramento nos cuidados paliativos. Referimo-nos à dor crónica, às náuseas e vómitos e à estimulação de apetite. Quais considera ser as mais-valias para os doentes, desta alternativa terapêutica?

HR – Acrescentaria ainda a espasticidade em doentes com esclerose múltipla ou lesões da medula espinhal. No fundo, nós reconhecemos a influência do sistema endocanabinoide em vários sistemas, desde o controlo da inflamação ao controlo do apetite e à regulação motora. Esta alternativa terapêutica tem um efeito analgésico, antiemético, relaxante muscular, ansiolítico e estimulante do apetite. De facto, nos doentes que terão necessidade de cuidados paliativos especializados, podemos dizer que a grande maioria terá pelo menos um destes sintomas. Ou seja, parece-me que será utilizada cada vez mais pelos cuidados paliativos, até pela dificuldade que muitas vezes temos em atuar, obtendo o máximo benefício sem os efeitos adversos.

HN – A flor de canábis para fins medicinais pode ajudar a diminuir a polimedicação nos doentes em cuidados paliativos?

HR – Os doentes com necessidade de cuidados paliativos são pessoas com as suas características e problemas individuais. Acredito que a grande maioria beneficiará de uma terapêutica conjunta entre canábis e outros tratamentos, até porque terão mecanismos de ação diferentes e sinérgicos.

HN – Esta flor tem como princípio ativo o THC. Da sua experiência quais têm sido os principais benefícios deste fármaco relatados pelos doentes?

HR – A estimulação do apetite e o efeito analgésico/relaxante muscular.

HN – Tendo em conta que é uma terapêutica recente, o que lhe parece que ainda está por fazer para melhorar o acesso dos doentes à flor de canábis para fins medicinais?

HR – Gostaríamos de ter o CBD como princípio ativo e ajustes de dose diferentes, pois facilitará o manuseio do fármaco. E, obviamente, um preço mais adequado, para que fosse possível propor e introduzir a terapêutica em mais doentes.

HN – A questão será o preço da terapêutica ou não haver comparticipação?

HR – A questão do preço é referente ao que o doente paga. Ou seja, como neste caso ainda não há comparticipação, como há por exemplo para os opioides, o custo da terapêutica é, muitas vezes, um entrave à sua utilização. Naturalmente, gostaria que assim não fosse, pois se temos uma terapêutica aprovada, com provas dadas de eficácia e segurança, então deve ser comparticipada como outras para que os doentes usufruam efetivamente dos avanços da ciência.