HealthNews (HN)- Portugal é segundo país da Europa com maior prevalência de doenças psiquiátricas. Quais os desafios que identifica no acesso aos cuidados de saúde mental?
Henrique Prata Ribeiro (HPR)- A principal dificuldade prende-se com a articulação entre os cuidados de saúde primários e os centros especializados. É essencial ter médicos de família treinados e capacitados para resolver os casos mais simples de doença psiquiátrica, nomeadamente as depressões leves e moderadas. Nos casos mais graves, é preciso que estes doentes sejam encaminhados para os serviços de psiquiatria.
Por outro lado, a questão do estigma é um outro problema. Há pessoas que não sabem reconhecer alguns sinais e sintomas de algumas doenças e, quando reconhecem, nem sempre recorrem aos serviços de saúde devido ao estigma associados à saúde mental.
HN- Em Portugal a saúde mental tem apenas 5% do investimento do SNS. Quais as suas expectativas sobre a evolução destes valores numa altura em que a saúde mental ganhou protagonismo durante a pandemia?
HPR- Tenho esperança de que esses números venham a mudar. Esses cinco por cento são atribuídos a uma área que representa cerca de 16% da carga de doença. Isto demonstra que Portugal é um mau exemplo de investimento em saúde mental… A maior parte dos países do centro da Europa já atribui cerca de sete a oito por cento do orçamento para esta área. No caso do Reino Unido esta percentagem é maior e já é investido cerca de catorze por cento do orçamento. Olhando para estes valores percebemos que alguma coisa está desproporcionada.
HN- Segundo dados do Infarmed, o consumo de antidepressivos em Portugal tem vindo a aumentar desde 2019, sendo que só no ano de 2021 foram vendidas, em média, mais de 28 mil embalagens por dia. Como olha para estes números e quais os riscos para a saúde?
HPR- Quando falamos nesta questão do consumo de medicamentos é preciso distinguirmos os antidepressivos dos ansiolíticos. E porquê? Porque os antidepressivos são fármacos que não servem apenas para a depressão, mas também para tratar outras perturbações, entre elas a ansiedade.
Temos uma carga de doença muito elevada e a depressão é a segunda perturbação psiquiátrica mais comum em Portugal. No entanto, é preciso reconhecer que nos últimos anos tem sido feito um bom trabalho para retirar os ansiolíticos que eram prescritos em excesso. Essas pessoas começaram a ser tratadas com antidepressivos, sendo esta a medicação indicada para tratar a ansiedade a longo prazo.
HN- Significa que não olha com preocupação para este aumento?
HPR- Não fico propriamente preocupado porque o aumento da prescrição de antidepressivos nem sempre se pode traduzir num aumento do número de pessoas com depressão.
HN- Existem riscos para a saúde?
HPR- Os antidepressivos são medicamentos bastante seguros. Ao contrário do que muitas vezes é dito, estes fármacos não causam dependência. São medicamentos que as pessoas devem fazer enquanto precisam deles e obviamente deixá-los por indicação médica.
Se me perguntar: seria possível termos menos pessoas a tomar antidepressivos se tivéssemos uma abordagem diferente nos centros de saúde? Nesse caso, a minha resposta seria ‘sim’. É importante frisar que esse consumo de antidepressivos poderia ser reduzido com estratégias a nível dos cuidados de saúde primários.
HN- A depressão e a ansiedade, ainda que doenças distintas, podem andar de “mãos dadas”. Considera que a população está sensibilizada para o impacto deste tipo de perturbações mentais?
HPR- Acho que não está… Penso que a culpa é de vários agentes, entre os quais os próprios psiquiatras que durante anos apareceram pouco nos canais de comunicação. De qualquer forma, considero que durante a pandemia esse paradigma mudou e as pessoas ganharam interesse na área da saúde mental. As pessoas cada vez mais começam a procurar informação acerca da ansiedade e da depressão, mas o nível de literacia em saúde nesta área ainda é muito baixo.
HN- E para essas pessoas que pouco ou nada sabem sobre as principais perturbações mentais, quais os sinais de alerta que considera relevantes mencionar?
HPR- Costumo dizer aos meus doentes para estarem atentos a tudo aquilo que interfira no dia-a-dia. É preciso que estejam alertas para: falta de ar, ataques de pânico, ritmo cardíaco acelerado ou uma tristeza marcada. No fundo, é preciso estar atentos para tudo aquilo que pode afetar a forma como nos sentimos e como interagimos com os outros.
HN- Voltando à questão do estigma em torno às doenças mentais que ainda é muito prevalente. Considera que este problema é igual entre homens e mulheres?
HPR- Penso que há uma dificuldade maior por parte dos homens de assumirem que sofrem de uma doença psiquiátrica. Isso é notório sempre que há inquéritos em relação à saúde mental. De facto, num dos estudos que publiquei recentemente sobre o impacto da Covid-19 na saúde mental, a percentagem de mulheres que respondeu é muito superior à percentagem de homens… Este é um dos pequenos indicadores em que me baseio para dizer que apesar de tudo, o estigma é maior dentro da comunidade masculina.
HN- Faz parte da campanha “Viva! Para lá da depressão”. Qual a importância deste tipo de iniciativas para a promoção da saúde mental?
HPR- A única forma de quebrarmos o estigma é levando informação às pessoas. Portanto, esta campanha tem essa missão, juntando vários especialistas que explicam, de forma simples, informação relevante sobre a saúde mental. No fundo, vejo a campanha “Viva! Para lá da depressão” como uma forma de serviço público.
Entrevista de Vaishaly Camões
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