À medida que se procura entender melhor a complexidade do envelhecimento - e o quão agradável este pode ser, nas condições corretas -, há uma procura por soluções que ultrapassem o que é o mais convencional, como lares de idosos ou residências séniores. Emerge, assim, o conceito de habitação colaborativa como um caminho para a construção de uma população idosa que viva uma vida feliz e ativa em comunidade. O envelhecimento não tem de ser algo a temer. É um processo natural da vida - o mais natural de todos, na verdade - e deve ser encarado de forma positiva. Talvez seja por isso que a habitação colaborativa está a ganhar cada vez mais adeptos em Portugal.
O conceito de habitação colaborativa surgiu na Dinamarca, há cerca de sessenta anos, como um formato que pretendia revolucionar o conceito de envelhecimento. Este termo ilustra uma habitação em comunidade, que compreende espaços privados e partilhados. Pode também oferecer serviços de apoio, como limpeza, lavandaria ou alimentação. O objetivo é um: incentivar a autonomia dos idosos, promover o convívio (combatendo a solidão) e garantir que estas pessoas continuem a sentir que têm um propósito de vida. Isto é especialmente importante, já que, muitas vezes, a população idosa pode ter ansiedade ou depressão por sentir que já não está a fazer nada com a sua vida e que já atingiu todos os objetivos. A habitação colaborativa é, então, um local onde se pode rejuvenescer, continuando a viver acompanhando sem deixar de celebrar a individualidade de cada um. Cuida-se, simultaneamente, do corpo e do espírito.
Tenho particular interesse nas habitações colaborativas, porque reconheço, após mais de trinta anos de experiência no setor do cuidado para os idosos, a importância da autonomia, a individualidade e a felicidade na população sénior. Repare-se que por cada 100 jovens, existem 184 pessoas idosas, segundo dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos. É um número que nos deve fazer refletir. Que futuro estamos a criar para os “nossos” idosos? Está o país pronto para garantir a felicidade destas pessoas?
Observei, com agrado, que a regulamentação portuguesa dedicou-se, recentemente, a estudar a habitação colaborativa e a garantir que existem diretrizes claras para as criar, através da portaria n.º 269/2023. A habitação colaborativa é, agora,uma resposta social viável para os idosos, e tem regras que devem ser cumpridas.
Quem pode abrir uma estrutura deste tipo? As Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) ou entidades privadas especializadas no apoio social - lares de idosos, simplificando. Que princípios deve uma habitação colaborativa seguir? A cidadania, a inclusão social, a autodeterminação e a participação na vida da comunidade. É desta forma que o tal propósito de vida sobre o qual escrevi acima se materializa. E tão importante é para o bem-estar do idoso. Que regras deve uma habituação colaborativa cumprir? Primeiramente, deve ter uma licença e alvará para funcionar. Este é um tema particularmente importante, tendo em conta a quantidade de lares e residências ilegais que existem, e que perpetuam uma imagem negativa do setor do cuidado para idosos. Além disso, estas habitações devem ter uma capacidade mínima de quatro residentes e uma capacidade máxima de sessenta, e devem ser perfeitamente acessíveis, bem como estar perto de transportes públicos. Deve, ainda, ter um regulamento interno relativo a questões como condições de admissão, direitos e deveres dos residentes, serviços que disponibiliza, bem como um Conselho de Residentes. Que profissionais devem ser admitidos para trabalhar em habitações colaborativas? De acordo com a lei, apenas se exige um diretor técnico com formação em serviço social, ou saúde, e um técnico de gestão de qualidade.
Porém, defendo, e continuarei a defender, a importância de ter profissionais altamente qualificados para trabalhar com idosos. As equipas técnicas devem ser constituídas por pessoas com formação técnica, mas também com capacidades comportamentais como a empatia, o cuidado e o gosto pelo setor em questão.
No que toca à admissão em habitação colaborativa, esta também deve seguir as diretrizes estipuladas, que são semelhantes às dos lares de idosos, existindo a necessidade de se estipular um contrato, que inclua o valor da mensalidade, as atividades incluídas, os serviços, entre outros. Além disso, a habitação colaborativa deve ter um documento sobre cada residente, que inclua um relatório clínico, um relatório social e outras informações importantes. Afinal, esta é uma resposta para idosos - e deve ser tratada como tal. Caso estas regras não sejam cumpridas, as entidades fiscalizadoras, que são as mesmas dos lares de idosos (Segurança Social, ASAE, Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social) devem entrar em ação.
Em Portugal, já existem algumas habitações colaborativas, mas o número é ainda bastante reduzido. Estamos a iniciar a caminhada nesta opção de solução social, que pretende repensar o envelhecimento. Convido todos os leitores, independentemente da idade, a explorarem este conceito e a refletir sobre a forma como o país está a cuidar da população idosa. Podemos fazer mais e melhor. Todos fazemos parte desta jornada, e todos seremos, um dia, também “mais velhos” - e vamos querer, certamente, que o país esteja totalmente pronto para nos tratar de forma empática, promovendo a nossa autonomia e felicidade.
Um artigo de Marina Lopes, CEO e Fundadora da Lares Online.
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