Em nota publicada na página da Internet, a Procuradoria-Geral Regional do Porto (PGRP) refere que o TIC de Matosinhos pronunciou (decidiu levar a julgamento) os arguidos e a própria instituição nos exatos termos da acusação do Ministério Público (MP), depois de estes terem requerido a abertura de instrução.

Segundo a acusação do MP, entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2020, o antigo presidente e a diretora de serviços do Lar do Comércio, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), situada em Matosinhos, no distrito do Porto, “violaram os deveres inerentes aos cargos que ocupavam”.

O MP sustenta que os arguidos, “apesar de saberem que a instituição dispunha de meios económicos para o fazer, por razões de diminuição e contenção de gastos”, não contrataram médicos, funcionários e enfermeiros necessários “para assegurar o conforto e cuidados mínimos aos utentes”, deixando também de comprar equipamentos, mobiliário e produtos de higiene e terapêuticos, como apósitos para escaras, colchões antiescaras, fraldas e suplementos proteicos.

“[O MP] Considerou ainda indiciado que os arguidos atuaram com a consciência de que as suas condutas resultariam na falta de cuidados na saúde, na higiene, na alimentação, na atenção, nos afetos, no entretenimento e socialização dos residentes acamados, determinando o agravamento do estado de saúde, provocando-lhes mazelas físicas e sofrimento físico e psíquico, atentando contra a dignidade da pessoa humana, como ocorreu em cinquenta dos utentes ali internados”, indica a PGRP, que cita a acusação do MP.

Os arguidos, ainda de acordo com a acusação, deduzida em 27 de julho de 2021, “atuaram também com a consciência que a omissão dos cuidados aos utentes poderia causar-lhes a morte, como veio a suceder com dezassete dos utentes ali internados”.

O despacho de pronúncia do TIC de Matosinhos foi proferido em 19 de abril deste ano.

Em 15 de maio de 2020, a Procuradoria-Geral da República (PGR) respondeu à agência Lusa que instaurou um inquérito, a correr termos no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto, à atuação da IPSS, onde foram, até àquela data, contabilizadas 21 mortes devido à covid-19.

A confirmação da PGR surgiu após as declarações da presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro, que classificou de negligente a atuação da direção do Lar do Comércio aquando do surto da pandemia, adiantando que iria participar ao MP as situações que chegaram ao conhecimento da autarquia.

Em 19 de outubro de 2020, um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (CDHOA) revelava terem sido detetados indícios de “violação grave” de direitos humanos no Lar do Comércio, e o “incumprimento reiterado” de orientações recebidas em vistorias.

Naquele ano, o Lar do Comércio teve mais de 100 idosos infetados com covid-19, 24 dos quais acabaram por morrer, segundo o relatório de “averiguação sobre o surto da covid-19”, um documento de 23 páginas.

O relatório precisa que os indícios abrangem violação de Direitos Humanos e de Direitos de Liberdade e Garantias, nomeadamente o Direito à Vida (artigo 24.º da Constituição) à Integridade Pessoal (25.º), à Liberdade e à Segurança (27.º) e à Saúde (64.º).

Além do “incumprimento reiterado” das inconformidades verificadas nas vistorias conjuntas da Proteção Civil, Serviço Social da Câmara Municipal, Unidade Local da Saúde Pública e Segurança Social, o relatório sublinha a “ausência de informação acerca do estado de saúde de residentes aos seus familiares”.