O antigo primeiro-ministro português (2002-2004) e chefe do executivo comunitário (2004-2014) criticou, em entrevista à Lusa à margem da 6.ª edição do EurAfrican Fórum, do qual é presidente e que hoje termina na Nova SBE em Carcavelos (Cascais), o protecionismo de vários países quando se trata de proteger um bem comum e os mais vulneráveis.

“Eu vi, como presidente da Aliança Global das Vacinas, o que foi o nacionalismo das vacinas e as lutas por vezes políticas em matérias que não deviam ser politizadas”, afirmou, numa alusão à pandemia de covid-19, que se propagou a partir de 2020, e na qual a GAVI tinha a missão de reunir e distribuir inoculações nos países mais desprotegidos.

O “mesmo risco”, advertiu, existe na iniciativa atual de distribuição de vacinas contra a malária, que nesta fase abrange apenas 12 países africanos (Gana, Quénia, Maláui, Benim, Burkina Faso, Burundi, Camarões, República Democrática do Congo, Libéria, Níger, Serra Leoa e Uganda).

Trata-se de uma vacina eficaz, referiu, ”tanto quanto a ciência permite saber”, não ao nível de outras vacinas, mas suficiente para a Organização Mundial de Saúde e as autoridades sanitárias competentes considerarem que a sua utilização já é justificável.

A escolha dos países, explicou, resultou de critérios “estabelecidos com bastante objetividade”, pela OMS e também pela UNICEF, dos recursos limitados e também na vontade expressa por cada estado e capacidade de levar a cabo a sua implementação.

No entanto, o ex-presidente não executivo do grupo financeiro Goldman Sachs, ao qual mantém ligações, recorre à sua experiência na GAVI, que lidera desde o ano da eclosão da pandemia, para expor a forma como vários países colocam os seus interesses à frente da saúde pública global.

“Estou a dar dois exemplos concretos, podia dar mais”, observou, citando também as alterações climáticas, que “não podem ser combatidas num só num continente” do mesmo modo que os “vírus não precisam de visto para viajar”, o que leva aos “chamados bens públicos globais que necessitam de cooperação multilateral”, com envolvimento das grandes potências como os Estados unidos, China e Europa e dos países mais frágeis, como os africanos.

Na sua ausência, incorre-se na possibilidade de diferença de perceções entre países ocidentais e os outros, que olham, no exemplo mais recente, de forma diversa para a invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro do ano passado.

“Em África e os países em vias de desenvolvimento, países que saíram de períodos de dominação colonial pela Europa, há ainda – e temos que reconhecê-lo e compreendê-lo -, um certo ressentimento, e esse ressentimento leva a que muitos pensem que os europeus dão aos seus problemas uma importância maior do que àqueles de outras partes do mundo”, apontou.

No entanto, é papel dos europeus “e tem sido correto” chamar a atenção para o que está em causa e que não é apenas uma guerra na Europa.

“Se há um país, que é maior país do mundo em termos geográficos, invade outro país reconhecido pelas Nações Unidas e com o objetivo precisamente de tomar parte do seu território, isso é um princípio que poderá ser extremamente grave”, disse Durão Barroso.

Isto inclui, alertou, o mundo em vias de desenvolvimento, “nomeadamente países africanos que conquistaram com grande sacrifício a sua própria independência e soberania”.