Numa antevisão sobre o futuro do Serviço Nacional de Saúde (SNS), após as eleições de março de 2024, o antigo ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes disse à agência Lusa que a aposta no modelo das Unidades Locais de Saúde (ULS) vem com anos de atraso.
Este modelo, argumentou, permite “um alinhamento entre os diferentes níveis de cuidados, de proximidade, cuidados diferenciados, cuidados continuados” e, por outro lado, “o modelo de financiamento tende a ser mais eficiente porque responsabiliza mais as próprias organizações, através de um financiamento por capitação”.
O ex-ministro da Saúde do Governo do PS afirmou que a eliminação de um nível intermédio de decisão - as Administrações Regionais de Saúde – é “uma evolução positiva”, mas sublinhou que o modelo, como está desenhado, comporta riscos: é mais complexo e caro para o orçamento.
“Em boa verdade, trata-se de monstros orçamentais”, referiu.
O ex-governante defendeu que os últimos governos “foram imprudentes na condução dos destinos das empresas públicas” e lembrou que, com este modelo, se estão a entregar empresas públicas a um modelo de nomeação (CReSAP) “que deixa muito a desejar”, porque permite, a um Governo “com engenho”, “fazer nomeações de cariz mais político”.
Ao apontar ao modelo das ULS riscos de gestão, Adalberto Campos Fernandes sugeriu que, nalguns casos, se opte por Parcerias Público-Privadas (PPP).
“Seria útil para o sistema que uma parte destas ULS, naturalmente uma parte minoritária e aquelas de menor dimensão, pudessem ser concursadas para modelos de gestão em PPP. Isto traria competição interna para a gestão”, defendeu.
Também o especialista em Economia da Saúde Pedro Pita Barros disse que “há trabalho de reorganização e de gestão a ser feito para melhorar o acesso das pessoas ao SNS” e referiu que a mera criação das ULS “no papel” não será suficiente.
E defendeu que para uma maior eficiência são essenciais três condições: “capitação adequada, capacidade de gestão e sistemas de informação integrados”.
Pita Barros, autor de vários livros sobre Economia da Saúde e que foi membro do Conselho Nacional de Saúde, destacou ainda que “a contratação de profissionais de saúde e a capacidade de lhes dar uma vida profissional adequada será uma questão permanente”, exigindo uma flexibilidade de pensamento e de decisão “que não se cria por decreto”, a que se junta o investimento em equipamentos novos e a manutenção dos existentes.
A necessidade de um modelo de gestão mais flexível é igualmente apontada por Pedro Simões Coelho, coordenador do projeto Índice de Saúde Sustentável, que avalia a evolução da sustentabilidade do SNS, mas também o SNS do ponto de vista do utilizador.
Em declarações à Lusa, o professor catedrático da Nova Information Management School (Nova-IMS) apontou três condições para uma maior sustentabilidade: um modelo organizativo mais flexível e com mais autonomia, modelos diferenciados de atendimento permanente para casos menos urgentes e maior atratividade das carreiras no SNS.
“É preciso criar condições, e não são só remuneratórias, para que os profissionais tenham carreiras atrativas. Isso implica investir mais em equipamentos mais modernos, implica investir numa coisa que se calhar não custa muito dinheiro, mas custa organização, que é ter menos burocracia”, considerou.
Tal como o ex-ministro Campos Fernandes, Simões Coelho defendeu a recuperação das PPP, lembrando que “foram casos de sucesso que, infelizmente, terminaram”.
Além disso, disse que, provavelmente, o sistema terá de avançar com Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo C, muito criticadas quando anunciadas e que o atual ministro Manuel Pizarro acabou por deixar cair. Para Simões Coelho, permitiram “um ecossistema de mais sã concorrência entre as USF as próprias unidades do setor privado”, deixando ao Estado um papel “sobretudo regulador”.
Este modelo C prevê que a gestão das USF seja entregue aos setores privado ou social, permitindo uma autonomia total na contratação de recursos humanos, por exemplo.
A única hipótese de “estancar a hemorragia” de gastos “sem resultado visível” no SNS, afirmou, é contratualizar temporariamente com os setores social e privado, para que se possa, por um lado,”dar uma alternativa de alguma coisa semelhante a um médico de família a quem não tem”.
Segundo os últimos dados serão mais de 1,5 milhões de portugueses.
Comentários