Olhei, inquieto, para o relógio no canto do ecrã e novamente para a agenda da consulta. Ainda não conhecia aquela doente, Helena (nome fictício) de 82 anos, que tardava em chegar ao gabinete. Alguém significativamente mais jovem espreitou pela porta entreaberta. Doutor, desculpe a demora! É que, sabe, agora a minha mãe tem muita dificuldade em andar... Lá chegou, de passo arrastado, mãos enrugadas e deformadas do trabalho, segurando com firmeza o andarilho. Parou em frente à minha secretária e, ainda antes de se sentar, olhou-me fixamente, suspirou e disse: Ao que uma pessoa chega! A consulta desenrolou-se e a conversa também. Viúva há vários anos, vivia sozinha e era independente, com visitas e apoio regular das duas filhas. Até àquela noite. A noite em que, ainda inebriada pela medicação que há décadas tomava para dormir, se levantou da cama e no meio da escuridão tentou encontrar o caminho da casa-de-banho. Uma queda privou-a de lá chegar. Não mais se levantou até ser encontrada na manhã seguinte pela filha. Uma viagem de ambulância para o hospital, uma radiografia e a confirmação de uma fratura do cólo do fémur. Depois, operada de urgência, prótese colocada na anca e transferida para uma unidade de reabilitação. No final do relato, sorrio para ela e tento confortá-la. Mas limitada nos seus movimentos, debilitada e longe de casa desde a noite da queda, ela sabia que as coisas nunca mais seriam como dantes.
A osteoporose é uma das doenças com maior impacto nas sociedades de hoje, resultando da perda de quantidade e qualidade do osso e fraturas após pequenos traumatismos. As vidas da Helena e da família mudaram naquela noite, tal como mudaram as vidas de mais de 12.000 doentes e respetivas famílias naquele ano. É este o número de fraturas da anca, por ano, em Portugal. A estas acrescem as fraturas do punho, do ombro, das vértebras e dos tornozelos, perfazendo mais de 70.000 fraturas osteoporóticas anuais no nosso país. As consequências são dramáticas. Uma em cada quatro mulheres que sofre uma fratura da anca acaba por falecer no ano seguinte à fratura, e a maioria das sobreviventes acaba dependente de terceiros ou institucionalizada. Quando olhamos para o conjunto dos países europeus, as fraturas osteoporóticas são responsáveis por maior perda de anos de vida com qualidade do que a maioria das doenças oncológicas. Não surpreendentemente, estes números avassaladores têm um custo. A osteoporose e respetivas fraturas custaram, em 2019, mil milhões de euros aos cofres portugueses, mas importa referir que apenas 3% desse valor foi gasto em prevenção, ou seja, em análises, osteodensitometria ou medicamentos para a osteoporose. O restante foi gasto em cirurgias, internamentos e reabilitação. Como em tantas outras áreas da saúde, estamos a custear as consequências ao invés de investir nas causas.
O caminho é longo, mas é possível mitigar estes números. A osteoporose dispõe de ferramentas eficazes de diagnóstico e avaliação do risco, e de medicamentos que aumentam a massa óssea e previnem as fraturas. Mas qualquer planeamento estratégico em saúde requer uma aposta na informação e na educação da população. Nesse sentido, a Sociedade Portuguesa de Osteoporose e Doenças Ósseas Metabólicas (SPODOM), em parceria com a Amgen Biofarmacêutica, lançou no passado dia 20 de outubro, Dia Mundial da Osteoporose, a iniciativa Ossos em Foco. Trata-se de uma iniciativa cujo propósito último é o de sensibilização para a osteoporose através da arte. Doentes, cuidadores ou profissionais de saúde são desafiados a expressar a sua visão da osteoporose através da pintura ou fotografia. Esta representação poderá referir-se a qualquer dimensão da doença, desde a sua identificação ao seu impacto, aos desafios que acarreta, à prestação de cuidados de saúde, ao acompanhamento e até mesmo aos estados emocionais associados, não se impondo assim limites à criatividade dos autores. As peças selecionadas pelo júri em meados de 2024 serão expostas em 3 grandes unidades hospitalares do país sendo que as inscrições e o regulamento estão disponíveis em www.ossosfortes.pt. Associe-se e ajude-nos a divulgar estas diferentes perspetivas da osteoporose.
Um artigo do médico Filipe Araújo, reumatologista e coordenador do Serviço de Ligação de Fraturas do Hospital de Sant'Ana.
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