A nova potencial aplicação do medicamento, agora patenteada e descrita na revista Nature Communications, foi descoberta por investigadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP) apoiados pela FAPESP.
O problema da resistência a medicamentos é um desafio reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas o processo de desenvolver um novo medicamento é muito caro e demorado.
“Por isso, buscamos identificar a atividade antifúngica de moléculas químicas já conhecidas, mas até então não estudadas quanto aos seus efeitos no controlo do crescimento de fungos. Nesse caso, começamos por explorar 1.400 compostos químicos até chegarmos a este”, conta Thaila Fernanda dos Reis, pós-doutoranda na FCFRP-USP e primeira autora do artigo.
Graças ao uso de diferentes métodos, os pesquisadores concluíram que a combinação da brilacidina com duas drogas antifúngicas distintas (caspofungina ou voriconazole) tem a capacidade de matar estirpes resistentes de várias espécies de fungo que causam infeções em humanos, como o Aspergillus fumigatus, agente causador da aspergilose pulmonar invasiva.
A aspergilose é uma infeção comum em pacientes internados em unidades de cuidados intensivos, podendo levar à morte entre 60% e 90% dos indivíduos. Afeta também pacientes com certo grau de comprometimento imune, como aqueles que estão passando por tratamentos oncológicos (leia mais em: agencia.fapesp.br/39432/ e agencia.fapesp.br/36228/).
Além das combinações com antifúngicos para infeções pulmonares, a brilacidina sozinha bloqueou o crescimento do A. fumigatus e o desenvolvimento da doença num modelo animal de queratite, uma infecção que afeta a córnea.
A doença ocular impacta de 1 a 2 milhões de pessoas por ano no mundo todo, sobretudo em países tropicais com grande atividade agrícola. Nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos, o uso de lentes de contacto contaminadas com fungos é o principal fator de risco.
Mecanismo de ação
A resistência a medicamentos dá-se quando o microrganismo (fungo, bactéria ou vírus) encontra uma forma de sobreviver e continuar a se multiplicar mesmo na presença do fármaco que deveria conter o seu crescimento.
Por isso, é importante ter opções de fármacos que atuem de diferentes formas sobre o agente patogénico, a fim de debelar a infeção mesmo quando a estirpe é resistente a alguma droga. Contudo, enquanto existem nove classes de antibacterianos, há apenas quatro de antifúngicos disponíveis comercialmente.
A caspofungina, por exemplo, é um antifúngico disponível há bastante tempo no mercado. O seu mecanismo de ação consiste em inibir a síntese da parede celular, uma estrutura que envolve a membrana plasmática e que mantém a integridade da célula fúngica.
Quando em contacto com a droga, porém, não raro, o fungo ativa um sistema de reparo, que dribla a ação da droga e permite que ele sobreviva na sua presença. Daí o potencial da combinação entre caspofungina e brilacidina. Nos testes, a presença da nova molécula desativou o sistema de reparo acionado pela caspofungina.
“A caspofungina não mata o fungo A. fumigatus, mas atrapalha sua multiplicação. Isso, muitas vezes, é suficiente para que o sistema imune do hospedeiro controle a infeção, mas nem sempre. Por isso é importante identificar drogas capazes de atuar em sinergia com ela. Uma das opções seria criar um único medicamento que reunisse simultaneamente caspofungina e brilacidina, de forma que pudessem atuar em conjunto”, resume Gustavo Henrique Goldman, professor da FCFRP-USP que coordenou o estudo.
Superfungos
Outra vantagem da brilacidina é que a combinação com a caspofungina ou com o voriconazole teve ação contra diferentes espécies de fungo.
Nos ensaios com modelos animais, além de A. fumigatus, a combinação da brilacidina com caspofungina foi eficaz em inibir outras espécies fúngicas como Candida albicans, Candida auris e Cryptococcus neoformans.
Chamadas de “superfungos”, por conta da sua alta resistência a medicamentos, algumas dessas estirpes têm sido responsabilizadas por infeções hospitalares graves. Recentemente, tornaram-se mais comuns devido ao grande número de hospitalizações por causa da pandemia de COVID-19 (leia mais em: agencia.fapesp.br/39977/ e agencia.fapesp.br/35923/).
A ação sinérgica da brilacidina com voriconazole, por sua vez, foi eficaz tanto contra A. fumigatus quanto contra Mucorales, um fungo que ocorre sobretudo na Índia e no Paquistão e causa graves deformações no rosto.
Para que os efeitos sejam comprovados em humanos, porém, testes clínicos são necessários. Junto com a empresa proprietária da patente da brilacidina, a norte-americana Innovation Pharmaceuticals Inc. (IPI), os investigadores procuram agora uma empresa brasileira que possa licenciar o medicamento no país e realizar os testes clínicos, necessários para comprovar os efeitos em humanos e, em caso de sucesso, disponibilizar o fármaco no mercado.
O trabalho envolveu ainda outro projeto apoiado pela FAPESP.
O artigo A host defense peptide mimetic, brilacidin, potentiates caspofungin antifungal activity against human pathogenic fungi pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41467-023-37573-y.
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