Agravamento da situação daqueles que já eram vulneráveis, teletrabalho sobretudo para a classe média alta, e um peso económico particularmente elevado sobre os jovens. Estas são algumas das conclusões do mais recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Intitulado “Um novo normal? Impactos e lições de dois anos de pandemia em Portugal”, a investigação olhou para as marcas de dois anos de pandemia deixadas nos portugueses, em termos económicos, sociais e políticos.
Desenvolvido em duas fases – entre março e maio, e entre setembro e outubro de 2021 – o estudo é o resultado de um total de 3.463 entrevistas que confirmaram que a pandemia não foi igual para todos.
“Embora a covid-19 possa ser comparada a uma tempestade inesperada, não é verdade que estejamos todos no mesmo barco. A doença e as medidas implementadas para conter e mitigar o impacto da sua rápida propagação tiveram efeitos colaterais desiguais e mais gravosos entre grupos específicos da população”, refere o estudo.
Por esse impacto desigual, que ultrapassa o campo da saúde, os investigadores preferem antes falar numa “sindemia” para refletir a forma como a covid-19 interagiu também com as condições sociais e económicas do país.
Exemplo disso são os efeitos da covid-19 na vida dos jovens, simultaneamente o grupo menos vulnerável à doença e um dos mais afetados em termos económicos, ao contrário do que antecipavam.
“O Portugal pandémico não é um país para jovens”, refere o estudo, que destaca a perda de emprego, mas também o impacto das medidas restritivas sociais na saúde e no bem-estar, que pesaram de forma significativa sobre aquele grupo.
Apesar da reduzida incidência de contágio grave e de mortalidade pela covid-19 entre os jovens, acrescenta o documento, “a análise dos efeitos indiretos da pandemia permitem revelar esta face oculta da crise sanitária”.
Por outro lado, os investigadores referem que, além dos jovens, os impactos negativos da pandemia foram também particularmente sentidos pelos grupos que já eram considerados vulneráveis, designadamente as mulheres e as classes sociais baixas.
Essa desigualdade foi visível, por exemplo, no caso do teletrabalho, a solução adotada por muitas empresas no início da pandemia, em março de 2020, para que conseguissem continuar a funcionar, mas que não foi possível para todos.
De acordo com os resultados, 68% dos indivíduos que dizem pertencer à “classe baixa” e 48% dos indivíduos que dizem pertencer à “classe média-baixa” trabalharam presencialmente entre 2020 e 2021, enquanto a maioria dos indivíduos de “classe média-alta” trabalhou integralmente à distância (36%) ou em modo misto (46%).
Sem apontar uma explicação, o relatório refere também que, se para as classes média e média-alta aquele período da pandemia foi uma oportunidade de reforçar as poupanças, para as classes baixa e média-baixa foram mais frequentes as situações de instabilidade financeira.
No que toca ao equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, as conclusões apontam que a sobreposição entre locais de lazer, trabalho e estudo, em particular durante os períodos de confinamento, acabaram por gerar níveis acrescidos de conflito.
“Estes conflitos emergiram durante a pandemia com prejuízo para ambas as dimensões, mas sendo especialmente nocivo para as famílias, isto é, a vida pessoa”, referem os investigadores.
Ainda assim, “as famílias portuguesas apresentaram maiores níveis de coesão entre os seus membros do que de conflito” e a divisão do trabalho doméstico foi, sobretudo, igualitária.
Por outro lado, a digitalização a que confinamento obrigou acarretou alguns desafios, como a falta de equipamento em casa para a realização do trabalho, referida por mais de 30% dos inquiridos, e também para a atividade escolar dos filhos (mais 40%), a fraca qualidade da Internet (mais de 20%) e a falta de espaço ou privacidade para trabalhar (mais de 15%).
“De uma forma geral, foram as mulheres e os inquiridos de classe social baixa quem demonstrou uma maior vulnerabilidade nestas dimensões tecnológicas de digitalização do trabalho”, refere o estudo.
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