Durante uma conferencia ‘online’ organizada pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) e a Sociedad Española de Directivos de la Salud (SEDISA), subordinada ao tema “Medicina intensiva: organização e desafios da gestão da procura”, especialistas dos dois países partilharam as experiencias vividas no combate à pandemia de covid-19, avaliaram o seu impacto nos vários níveis de emergência e perspetivaram, à luz do que aprenderam, as respostas necessárias no futuro.

Neste contexto, José Artur Paiva, diretor do serviço de medicina intensiva do Centro Hospitalar Universitário de São João e membro da Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva para a covid-19 afirmou que o número de camas e de profissionais de saúde é determinante para evitar a rotura do sistema de saúde e garantir a sustentabilidade da resposta ao doente critico.

“A covid-19 vai ser endémica ao longo do tempo”, afirmou, sublinhando que graças ao sucesso das medidas de confinamento, Portugal ficou com uma taxa de imunização tão baixa que é expectável o regresso de “ondas secundárias” de epidemia.

Por isso, a comissão entregou ao Ministério da Saúde um plano com medidas para manter a capacidade de resposta à covid-19.

O “documento orientador do período per-covid-19” elaborado pela comissão estabelece “intervenções imediatas”, entre as quais, que o Ministério da Saúde encarregue os hospitais de elaborarem um plano de capacitação dos seus serviços de medicina intensiva que permita o “aumento da resposta/número de camas e recursos logísticos e humanos”.

Acelerar a formação de médicos intensivistas e aumentar os recursos na área da enfermagem é prioritário, defende José Artur Paiva.

Por isso, o documento pede à tutela que garanta um número de vagas de internato de formação especifica de Medicina Intensiva maior do que no ano anterior e que garanta a entrada para formação pela via clássica de médicos especialistas para formação em medicina intensiva.

A opção pela via clássica é justificada pela redução do tempo necessário, uma vez que o internato de formação específica de medicina intensiva exige 60 meses, ao passo que a formação por via clássica exige apenas cerca de 30 meses.

Ao Ministério da Saúde é também recomendado que promova o reforço de enfermeiros nas instituições hospitalares com serviço de Medicina Intensiva e “estimule a reafetação de enfermeiros a estes serviços, de forma a aumentar o ‘staff’ de Medicina Intensiva”.

Nas palavras de José Artur Paiva, “os enfermeiros são a pedra basilar da medicina intensiva”.

“Este ponto é muito importante, porque temos défice de enfermeiros, o que nos prejudica a abertura de camas”, afirmou.

O número de camas também é um aspeto fulcral, mas o médicos reconhece que neste âmbito, Portugal conseguiu posicionar-se bem na resposta à covid-19.

Usando como exemplo a Administração Regional do Norte, assinalou que o número de camas por cada cem mil habitantes passou de 6,8 em 2016, para 8 em janeiro de 2020 e 13,1 em abril.

O país objetivo de maio, e que se pretende que seja permanente, é que o país tenha 11,4 camas por cem mil habitantes.

“A medicina intensiva tem muita esperança nas epidemias. Nasceu com uma epidemia, a poliomielite, e creio que saberá renascer com esta pandemia de uma forma diferente”, afirmou.

Na opinião do especialista, a covid-19 “mostrou que a organização nos hospitais por especialidades médicas não é focada no doente, não atinge o máximo da eficiência e não atinge o máximo de pedagogia para os profissionais”.

Com a experiência, “aprende-se que a forma de trabalhar com o diferente é trabalhar com processos assistenciais integrados, mais do que propriamente trabalhar com especialidades médicas”, explicou.

Na opinião de José Artur Paiva, nos grandes hospitais a medicina intensiva pode evoluir para um tronco comum de trabalho com doentes críticos, mas depois com várias áreas, por exemplo cardio ou digestiva.

O diretor de serviço de medicina intensiva sugere, por isso, que os hospitais “desrespeitem mais uma fronteira que é do século passado”, a fronteira entre cuidados primários e secundários, que “já não existe”, que “os hospitais cheguem a casa das pessoas, que o conceito de internamento seja mais elástico, que não queira apenas dizer camas hospitalares”.

“Tudo isso pode ser acelerado com esta pandemia”, afirmou.