Em janeiro deste ano dizia, num texto aqui publicado, que costumava responder quando me perguntavam em casa do que é a sopa “é do que há”! A propósito da recente reformulação da norma COVID-19: rastreio de contactos que entra em vigor dia 3 de outubro de 2021 apetece voltar a responder o mesmo … Demorou muito a revisão da norma que integra o isolamento profilático e passa a contemplar o que muitos já preconizam (e aplicam) há muito, felizmente. A prova cabal da correcção disso é a evolução favorável da curva pandémica com a aplicação dessas medidas nos locais que as adoptam.
Ou os vários países da Europa que já estipulavam critérios temporais semelhantes, até sem vacinação, estavam totalmente errados?
A questão, parece-me, está no conceito de gestão do risco que, claro, que não pode ser o mesmo se for apenas um destinatário ou a população de uma região ou de um país. De facto, parece que o objectivo primeiro dessa metodologia é eliminar o risco o que, mesmo nos países com estratégias “infecção zero” (minoritários), não é cem por cento eficaz como o demonstra a evolução da pandemia por exemplo na Nova Zelândia.
Resta-nos então o objectivo de reduzir a um nível de aceitabilidade ou de tolerabilidade do risco, que é, de resto, o objectivo de quaquer metodologia de avaliação do risco.
A abordagem baseada na tolerabilidade é bem ilustrada com a mobilização nacional para o “achatamento da curva” que presidiu, mesmo, à opção das políticas implementadas, por exemplo, na primeira e na segunda vaga (esta com a 3ª encavalitada). Mas o que é mais frequente na avaliação e gestão do risco, por exemplo em Saúde Ocupacional e Ambiental, é a questão da aceitabilidade do risco. Claro que os critérios serão diferentes se a avaliação for apenas clínica ou se essa mesma avaliação é do âmbito da Saúde Pública, envolvendo questões por exemplo de natureza social e política não tanto valorizáveis numa mera avaliação clínica.
E julgo ser aí que reside a essência principal das políticas públicas de saúde. Claro que mesmo assim não há políticas certas nem políticas erradas, como é um bom exemplo as diferenças (às vezes substanciais) que existem nos critérios adoptados, por exemplo em vários países da Europa.
Claro que numa situação pandémica, a maioria dos países aguardam, sensatamente, os resultados da investigação e, frequentemente, as decisões adoptadas pelos países que estão na linha da frente (que são muito poucos …). Alguns diriam uma espécie de fazer o totoloto ao sábado ou ao domingo.
Quando integrei como perito (científico) a comissão de fixação de valores limite de exposição de substâncias químicas no ambiente de trabalho na então Comunidade Económica Europeia, há mais de vinte anos, tive perfeita consciência disso já que esse grupo de peritos demorou cerca de dois anos a definir os objectivos da fixação desses limites máximos admissíveis no local de trabalho. É que, de facto, sem essa precisão (morosa, o que numa pandemia não é recomendável), torna-se algo “errático” abordar a questão da gestão do risco. Não pretendo entrar numa reflexão muito especializada, técnica ou científica, mas essa definição é decisiva para qualquer intervenção preventiva na área da Saúde Pública.
As novas regras agora determinadas na revisão da referida norma, por exemplo para isolamento profilático, são disso uma boa ilustração. É que o objectivo da gestão do risco é diferente se pretendermos prevenir, por exemplo, 40, 60, 80 ou 90% da transmissibilidade do vírus e, para além disso, a terapêutica não pode matar o doente (aqui, a população nacional) que sem criação de riqueza não sobrevive (ou se endivida galopantemente). O nosso primeiro confinamento foi disso um bom exemplo, independentemente da maior ou menor assertividade da medida.
Mas o essencial é que finalmente se mudaram os critérios em função da evolução da pandemia muito determinada pelas nossas actuais taxas de vacinação. Melhorámos na minha perspectiva de gestão do risco, e isso é o que mais importa.
Mais uma vez, é o que há!
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