“Os custos de 2020 podem ser piores, mas é muito cedo para fazermos afirmações conclusivas. O que podemos saber é que, na generalidade dos casos, as más práticas não tendem a ficar melhores por causa do teletrabalho. Até porque, na maior parte dos casos, não é teletrabalho, estamos a falar de trabalho à distância com dificuldade de conciliação com a vida pessoal e familiar”, previu Francisco Miranda Rodrigues, em declarações à Lusa.
O psicólogo justificou esta opinião dizendo que o teletrabalho “não foi pensado e planeado”, nem houve “formação e estratégia” que permitisse “pensar numa organização de trabalho diferente”.
As previsões foram feitas no seguimento do lançamento do relatório da Ordem dos Psicólogos Portugueses, publicado hoje, acerca do “custo do 'stress' e dos problemas de saúde psicológica no trabalho, em Portugal”, com base em vários estudos, e que além do custo de 3,2 mil milhões de euros às empresas portuguesas, estimou que por cada euro investido em planos de intervenção haja “um retorno de nove euros”.
Ainda sobre os possíveis números de 2020, o psicólogo sublinhou que é preciso “ter cautela nas conclusões”, porque há poucos dados disponíveis, mas referiu que “por muito que haja pessoas que tenham beneficiado do trabalho à distância e aumentaram a produtividade, também terão existido outras em que a produtividade caiu e as contas são difíceis de saber”.
“Diria que, por regra, uma má prática que exista em termos de liderança não passa a ser boa porque passa a haver trabalho à distancia. As contas sobre os diferentes impactos são difíceis de fazer e os dados preliminares não apontam, e eu não apostaria nisso, em que isto [pandemia] tenha ajudado a melhorar as condições e o bem-estar das pessoas no trabalho”, afirmou.
Miranda Rodrigues sublinhou que “é imperativo” que as empresas portuguesas apostem na saúde psicológica, já que o recurso vital do país são as pessoas e no qual deve ser apostado “através de uma boa educação, formação e desenvolvimento”, já que algumas competências mais procuradas hoje em dia passam pelo “trabalho de equipa e comunicação e gestão emocional”.
“Logo, um país em que o principal recurso são as pessoas deve apostar muto mais neste desenvolvimento e na prevenção para que as pessoas estejam em condições para desempenhar funções. E prevenção porque significa reduzir os impactos negativos e custos. Num país que não é rico, isso torna-se ainda mais determinante. Uma das questões essenciais é que queremos criar mais riqueza, mas desperdiçamos mais riqueza por não termos um investimento numa cultura de prevenção e desenvolvimento das pessoas [ao nível da saúde mental]”, sublinhou.
O bastonário destacou ainda a diferença no perfil dos portugueses quando foi necessária uma “reação adaptativa improvisada face a uma mensagem simples” – a de ficar em casa durante o confinamento –, mas muito mais difícil quando exigiu “planeamento e mensagens complexas, implicando gestão de risco, criando mais dificuldades, devido aos recursos e competências que as pessoas não têm”, neste caso referindo-se à baixa literacia no que toca à saúde mental.
“Saúde mental não é igual a doença mental. O que estamos a falar aqui é mais abrangente e não estamos a falar só do impacto na saúde, mas quando se fala na prevenção estamos a falar de trabalhar com pessoas que estão bem, mas que, estando perfeitamente bem, se desenvolverem melhor as competências de trabalho em equipa, capacidade de autorregulação e gestão emocional, vão estar mais preparadas para não sofrerem perturbações em situações de crise e maior 'stress'”, explicou.
Tendo em conta a crise que estamos a atravessar, a situação fica ainda mais agravada devido às alterações nas dinâmicas laborais, ou seja, o país devia “apostar em tudo o que possa ajudar na adaptação, reduzir sofrimentos e custos e aumentar a eficiência das organizações”, uma dimensão que, ligada ao comportamento das pessoas, “é crítica”.
“Não podemos passar o tempo a dizer que o que é importante são as pessoas e que os comportamentos são essenciais para o desempenho dos negócios e depois não apostar neles. Continua-se a não olhar para as pessoas e para o que é a qualidade de tomada de decisão, isto continua a ficar escondido. É necessário uma intervenção a este nível que garanta, de forma igual, que toda a gente [empresas] tenha de cumprir um mínimo”, defendeu.
Segundo Miranda Rodrigues, é necessário um “trabalho a prazo”, que o “poder político tem dificuldade em assumir”, porque “não consegue demonstrar o retorno disso no ciclo político normal”, e não um “trabalho de resultados imediatos”, porque o problema não vai ser resolvido “com comprimidos e medidas que parecem bem na fotografia”.
“O país está a pagar – e temos exemplos muito presentes na comunicação social – estar a olhar sempre para isto no imediato e há exemplos atrás de exemplos. Temos de passar ao olhar de forma mais planeada, preparar o futuro e pensar na próxima geração com o altruísmo necessário, com o que muitas vezes é chamado de uma visão mais estadista por parte de quem decide e lidera o pais”, finalizou.
A pandemia de covid-19 já provocou mais de 601 mil mortos e infetou mais de 14,3 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 1.689 pessoas das 48.636 confirmadas como infetadas, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
Comentários