Eis-nos instalados, há cerca de quatro semanas, num amplo debate sobre a matriz de avaliação de risco pandémico. Tendo estudado, copiosamente, esse tema na preparação da nossa Agregação, há cerca de vinte anos, vem-nos à memória, muitas vezes, posteriores (e demoradas) discussões com alguns doutorandos e outros alunos (incluindo mestrandos) sobre aspectos de “risk assessment” (que traduzimos como diagnóstico das situações de risco e não avaliação do risco) de riscos profissionais (Sousa Uva, 2010). É tão grande esse interesse científico que criámos, há muito, uma unidade curricular de “Avaliação e gestão do risco em Saúde Ocupacional” no ensino pós-graduado.
Convirá desde logo afirmar que somos muito críticos em relação à utilização de “grelhas de avaliação de risco”, essencialmente, porque essa utilização é, quase sempre, muito redutora do processo da denominada “caracterização do risco” muitas vezes apelidada “análise de risco” (conceito que há muito não utilizamos por ser referido frequentemente com significados muito díspares, até por estudiosos e investigadores). E o risco (agora sem grelha) é de algumas abordagens dessa matéria se transformarem numa “conversa de surdos sem linguagem gestual”.
Confesso, todavia, que, apesar disso, reconheço a utilidade das grelhas. Essencialmente, na fase de identificação dos factores que estão na origem desse risco (factores de risco) e numa perspectiva dinâmica de evolução (preferencialmente categorial) numa dimensão de gestão do risco. Dito de outra forma, a perspectiva é mais de tendências do que de escalas que, quando numéricas, muitas vezes são “abusivamente” interpretadas (quase sempre fora do contexto em que foram criadas…). É tão certa essa perspectiva que orientámos uma tese de doutoramento que demonstrou, nas mesmas situações de trabalho, resultados opostos de avaliação consoante as grelhas utilizadas.
Vem isto a propósito das grelhas de risco, também denominadas matrizes, desenvolvidas para monitorizar a evolução da pandemia numa perspectiva, essencialmente, de necessidade (ou não) de aplicação de medidas de gestão do risco que habilitem o poder político na decisão de impor medidas, essencialmente de “damage control” ou de mitigação. No caso de uma pandemia a necessidade de sensatez na sua interpretação escala já que a avaliação é feita com um grau de incerteza enorme decorrente do fenómeno estar a acontecer. Ilustre-se o que se disse com o que já é conhecido das estirpes do vírus ao longo do tempo e o seu efeito pandémico indiscutível. E alguém sabe o que estará ainda para vir numa perspectiva diferente da tendência?
O problema, quase sempre, não se situa só na grelha de análise mas, outrossim, na interpretação de resultados a montante da decisão que se toma. E essa é a principal questão: as grelhas ajudam na tomada de decisão mas não a determinam. Tal significa que devem (os resultados) ser interpretados de forma inteligente e igualmente muito sensata, já que a aplicação da grelha é sempre um meio e nunca um fim, seja do que for.
O que propomos é que, seja qual for a grelha a que se recorra para “risk assessment”, a sua interpretação seja feita, sempre, como um recurso “instrumental” que “ajuda” na tomada de decisão e que nunca deve ser confundida com um “instrumento de medida” infalível como é, po exemplo, sugerido pela utilização cega dos “cut off” ou limiares.
É que a Saúde Pública, pela sua dimensão social, política e inter e transdisciplinar, é um pouco mais complexa que quaisquer abordagens exclusivamente técnicas que, pelo resultado de um qualquer exame complementar de diagnóstico, determinam a presença ou a ausência de algo. Por outras palavras, a utilização de grelhas (ou matrizes, se se preferir) não tem o papel de uma balança na definição do “peso certo”. A decisão em Política julgamos ser ainda mais complexa e, é bom lembrar, que todos dependemos dela!
António de Sousa Uva
Bibliografia
- Sousa Uva Diagnóstico e Gestão do Risco em Saúde Ocupacional. Lisboa: ACT, 2010, 2ª ed, isbn:978-898-8076-02-1.
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