Segundo explica a endocrinologista do Hospital Lusíadas Lisboa, Conceição Pereira, o défice de hormona do crescimento (DHC) é uma “doença rara na população em geral”, mas “muito frequente” nos sobreviventes oncológicos. A especialista alerta que “as pessoas que fizeram radioterapia ao crânio (…) têm 100% de probabilidade de ter défice da hormona do crescimento”. No âmbito do Dia Mundial das Doenças Raras, a médica sublinha a importância de haver mais investigação nesta área.
HealthNews (HN)- O DHC é uma doença rara que se caracteriza por uma estatura mais baixa. Qual a importância do diagnóstico atempado?
Conceição Pereira (CP)- O défice de hormona do crescimento é de facto uma situação clínica rara na população em geral. No entanto, há uma populações restrita onde é muito frequente… falo nomeadamente dos doentes oncológicos.
Esta doença (inicialmente) não dá sintomas (o que o doente sente), dá unicamente sinais (o que o médico deteta). Portanto, os efeitos nefastos só se veem a longo prazo – nos adultos, os sinais passam pelo cansaço, perda de capacidades cognitivas, perda da massa muscular, perda de energia e aquisição de alterações no metabolismo dos lípidos. No fundo, esta doença mina a qualidade de vida dos doentes.
HN- Quais as formas de avaliação clínica da doença?
CP- Por vezes não precisamos de testes para saber que o doente tem défice da hormona do crescimento. Basta olhar para uma criança e verificar que tem uma estatura inferior ao percentil 3.
No adulto o diagnóstico é mais difícil. Nestes casos, já se justifica realizar testes de estimulação de secreção da hormona de crescimento. De facto, são absolutamente necessários em pessoas que sobreviveram ao cancro… Pessoas que fizeram radioterapia ao crânio, como é o caso de alguns doentes com leucemia e pessoas com tumores cerebrais, têm 100% de probabilidade de ter o défice de hormona do crescimento. Em Portugal, temos perto de 500 mil sobreviventes de doença oncológica (nem todos terão tido necessidade de radioterapia craniana) e destes, 50% têm uma patologia endócrina ao fim de cinco anos da cura da patologia oncológica.
HN- Quais as especialidades médicas mais envolvidas e a quem é que os doentes se devem dirigir?
CP- As principais especialidades são os pediatras, os endocrinologistas e, caso seja um sobrevivente oncológico, os oncologistas ou até os hematologistas. Há muitas crianças e adolescentes com leucemia e, nestes casos, os hematologistas têm um papel muito importante no trabalho de cura e de reconstrução (reabilitação).
HN- Existem outras doenças raras associadas aos problemas de crescimento?
CP- Sim. Existem várias síndromes genéticos que provocam alterações no crescimento da criança. São situações muito difíceis de tratar em termos estaturais. Algumas destas síndromes são tratadas com a hormona do crescimento, como por exemplo a Síndrome de Prader-Willi. Os doentes melhoram as suas capacidades cognitivas e tornam-se mais ativos.
HN- Atendendo ao facto de ser rara na população em geral, mas muito frequente em determinados grupos, qual a importância da investigação?
CP- É importantíssima. A investigação em medicina não pode ser separada da clínica. Eu advogo que os médicos de carreira devem ter sempre uma componente de investigação, pois só assim é que se consegue perceber os doentes e oferecer cuidados diferenciados. Em 1996 criei, no Instituto Português de Oncologia, uma competência de Endocrinologia de reabilitação para o tratamento e acompanhamento dos sobreviventes oncológicos. Essa consulta, que é transversal a todas as idades, tem uma base de dados que se analisa e onde se percebe o que é necessário mudar. Isto é essencial… Quando curamos o cancro destruímos um inimigo conhecido, mas também destruímos a própria pessoa em várias áreas, nomeadamente a nível hormonal. São agressões muito violentas. Portanto, a investigação contribui para a educação permanente com constante atualização.
HN- Que mensagem deixa aos doentes e aos profissionais de saúde no âmbito do Dia Mundial das Doenças Raras?
CP- Enquanto pessoas individuais, não conseguimos cuidar de nós próprios se não estivermos informados. Portanto, se os pais repararem que o seu filho não está a crescer de forma equiparada aos outros meninos da mesma idade e género, devem levá-lo ao pediatra ou ao endocrinologista. No caso dos sobreviventes oncológicos, estes devem saber que, após vencerem a batalha contra a doença oncológica, devem procurar um endocrinologista que se dedique à sua reabilitação porque muitos doentes têm insuficiência da hormona do crescimento.
Entrevista de Vaishaly Camões
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