De cardumes de peixes a manadas de antílopes e até a sociedades humanas, uma das muitas vantagens de viver em grupo é a segurança que lhe é/está inerente. Cercados pelos seus pares, os indivíduos podem diminuir a vigilância e participar calmamente noutras atividades, como procurar alimento ou ver vídeos no youtube.

Mas a “regra de segurança nos números” tem muito mais que se lhe diga além da ideia de podermos estar em companhia. Em muitos casos, a comunicação também tem um papel importante e as pistas sociais de perigo são bastante conhecidas. Pense nas diferentes maneiras que os animais usam para transmitir a presença de uma ameaça. Imediatamente pensamos em gritos, ganidos e latidos.

E se agora lhe pedíssemos para nomear alguns exemplos de pistas sociais de segurança? Afinal de contas, saber que o perigo passou é importante para diminuir as defesas e retomar outras atividades. A razão pela qual esta tarefa é mais desafiante é porque realmente se trata de uma pergunta complicada - e até agora nenhuma pista social de segurança havia sido identificada.

Surpreendentemente, a descoberta da primeira pista social de segurança aconteceu graças a um pequeno inseto: a mosca da fruta. Estes resultados, publicados hoje (21 de Agosto) na revista científica Nature Communications, marcam uma nova fase na compreensão de como a comunicação em contexto social funciona.

Um sinal silencioso de perigo

"Quando as pessoas pensam na comunicação de perigo em contexto social, pensam normalmente em alertas", diz Marta Moita, investigadora principal no Centro Champalimaud, em Portugal. "Mas o nosso grupo está interessado num tipo de pista de perigo diferente, a própria manifestação do comportamento defensivo.”

A imobilização é uma das três respostas universais de defesa, juntamente com a luta e a fuga. Esta resposta é a melhor alternativa em situações em que a fuga é impossível ou é menos vantajosa do que ficar parado na esperança de passar despercebido.

"A imobilização pode ser realmente uma maneira mais segura de transmitir a existência de perigo para os outros", aponta Marta Moita. "Este tipo de comunicação em contexto social não requer a produção ativa de um sinal que possa desencadear atenção indesejada. Além disso, a imobilização constitui uma pista que pode ser usada por qualquer animal que esteja por perto, independentemente da espécie", explica a investigadora.

O grupo liderado por Marta Moita demonstrou recentemente que as moscas da fruta imobilizam em resposta a uma ameaça inevitável. Esta descoberta desencadeou uma nova pergunta: poderia este comportamento mudar na presença de outras moscas por perto?

Segurança em (exatamente quantos) números?

Para responder a esta pergunta, Clara Ferreira, autora principal do estudo agora publicado, realizou um conjunto de experiências, em que começou com apenas uma mosca, sendo que depois foi aumentando o número de moscas de forma sistemática - duas, três e assim por diante, até grupos de dez moscas.

"Colocámos as moscas numa câmara fechada, transparente, e expusemo-las, repetidamente, a um disco escuro em expansão, que imitava um objeto em rota de colisão. Imagine o efeito visual da palma de uma mão aberta que se aproxima", explica Clara Ferreira. "Muitos animais quando expostos a este estímulo respondem defensivamente, incluindo os humanos. No caso de imobilizarem, ficam muitas vezes imóveis durante algum tempo, mesmo depois da ameaça já ter desaparecido".

Os resultados obtidos revelaram que o tamanho do grupo é importante. "Todos os grupos - de dois a dez indivíduos - imobilizaram menos do que as moscas que estavam sozinhas na câmara. No entanto, fomos surpreendidos por um efeito complexo que o tamanho do grupo tem no comportamento das moscas", diz Clara Ferreira.

Em grupos de seis ou mais, as moscas imobilizavam temporariamente quando a ameaça aparecia e, logo de seguida, retomavam o movimento. Por outro lado, o padrão de resposta das moscas em grupos de cinco ou menos foi mais semelhante ao registado nas moscas que estavam sozinhas.

"As moscas nestes grupos imobilizavam ainda menos do que as moscas sozinhas. No entanto, o tempo de imobilização aumentava à medida que a experiência avançava. Quanto mais repetições do estímulo ameaçador recebiam, mais tempo permaneciam imóveis quando o estímulo reaparecia", explica Clara Ferreira. "Estes resultados eram algo intrigantes", acrescenta a investigadora. "Nunca o efeito do tamanho do grupo na imobilização havia sido sistematicamente caracterizado (em qualquer espécie) e os resultados revelaram uma relação tão fascinante quanto intrincada.”

Ir ou ficar?

Estas descobertas demonstram que as moscas alteram as suas respostas defensivas quando na presença de outras moscas. Esta nova observação levantou uma questão premente - a que pistas sociais é que estas moscas estão a responder? Para encontrar a resposta, Clara Ferreira e Marta Moita analisaram meticulosamente os resultados anteriores e realizaram experiências adicionais recorrendo para isso a moscas cegas e a “moscas-artificiais” controladas por ímans.

Os resultados revelaram uma resposta dividida em duas partes. "A primeira parte descreve a resposta das moscas ao aparecimento da ameaça", relata Clara Ferreira. “Aprendemos que era mais provável uma mosca sozinha imobilizar se os seus pares (artificiais ou não) imobilizassem em resposta à ameaça. De certa maneira estávamos à espera que isto acontecesse, uma vez que estudos anteriores do nosso grupo demonstraram que, em situações específicas, a imobilização é uma pista social de perigo em ratos. Aqui, testemunhamos um comportamento semelhante em moscas.”

No entanto, a segunda parte da resposta, apanhou as investigadoras de surpresa: as moscas eram mais propensas a sair da imobilização se as outras moscas se começassem a mover. "Isto significa que as moscas estavam a usar a retoma do movimento como uma pista social de segurança!", explica Clara Ferreira

“Este é um fenómeno completamente novo", acrescenta Marta Moita. "Existem muitos tipos de sinais de alarme social registados, mas este é o primeiro sinal social de segurança a ser identificado em qualquer espécie animal. Para além disso, também define o movimento como a pista social que procurávamos. De certa forma, esta pista 'mata dois coelhos com uma cajadada só': a interrupção repentina do movimento significa perigo, já a sua retoma significa segurança".

Próxima paragem - o cérebro

Esta série de impressionantes descobertas abre uma oportunidade única para aprendermos como o cérebro percebe e responde a sinais sociais. “A mosca da fruta é um dos modelos animais mais poderosos utilizado na investigação científica”, diz Clara Ferreira. "Este modelo animal oferece ferramentas especializadas para estudar a neurobiologia de uma maneira específica e direcionada".

Na verdade, as autoras já começaram a desvendar a base neural deste comportamento. "Neste estudo, identificámos um conjunto de neurónios visuais cruciais para a captação do movimento de outros indivíduos, enquanto pista social de segurança ", explica Clara Ferreira. "E estamos a planear continuar a investigar os circuitos neurais que estão envolvidos neste comportamento."

Segundo Marta Moita, embora as moscas e os seres humanos sejam muito diferentes, existem paralelismos entre estas e outras espécies que podem fazer com que as descobertas na mosca sejam relevantes para a identificação de princípios básicos. “Uma vez que estamos a estudar um comportamento fundamental comum a quase toda a vida animal - a tendência em procurar a segurança nos números - acreditamos que o nosso trabalho abre caminho para a compreensão de mecanismos partilhados entre espécies.”, conclui.