HealthNews (HN)- O diagnóstico precoce é crucial, mas a doença é silenciosa. O que é que atualmente se faz em Portugal para conseguir apanhar o cancro do pulmão num estádio inicial?
Pedro Fernandes (PF)- Temos de começar por perceber o percurso do cancro do pulmão. Como disse, o cancro do pulmão é uma doença silenciosa. Cerca de 70% dos novos casos são diagnosticados em estádios avançados. E obviamente que, como em qualquer outra doença, quanto mais avançado o estádio em que é detetado, pior é o prognóstico. Portanto, efetivamente, interessa-nos ter um diagnóstico precoce.
Os dados mais recentemente obtidos em ensaios (há um ensaio americano e um ensaio europeu mais recente) relacionam o rastreio do cancro do pulmão com diagnósticos mais precoces. Ou seja, o rastreio permite reduzir bastante a mortalidade, permitindo diagnosticar mais doentes em fases precoces. Porém, ainda não existe esse rastreio em Portugal. Nesta fase, já está a ser elaborado um protocolo de rastreio, mas ainda não está implementado. Esperemos que isso aconteça a curto-médio prazo.
HN- Ou seja, em Portugal ainda estamos em vias de fazer tudo o que está ao alcance da ciência pelos doentes?
PF- Eu não diria isso. São poucos os países que têm o rastreio a cancro do pulmão organizado. Até porque os dados que comprovam a eficácia dos rastreios são recentes. E obviamente que os rastreios – sobretudo o do cancro do pulmão, onde é preciso ter, por exemplo, TAC de baixa dose, uma logística grande com radiologistas para os relatarem e um fluxograma de mecanismos grande – não é fácil de implementar e tem de ser uma coisa bem organizada de início.
Neste momento, estamos a começar a seguir a evidência que existe com mais força, que saiu no ano passado e no início do ano, segundo a qual vamos ter de seguir esse caminho do rastreio – a única forma conhecida de conseguirmos diagnosticar precocemente mais doentes.
HN- O que é que os nossos leitores podem fazer para se protegerem e evitarem ter cancro do pulmão?
PF- Nós temos de perceber qual é o fator de risco essencial do cancro do pulmão, por demais conhecido: o tabaco. O tabaco é responsável por mais de 80% do cancro do pulmão. Utopicamente, se as pessoas deixassem de fumar hoje, deixávamos quase de ter cancro do pulmão. Portanto, a primeira mensagem é a cessação tabágica. Na população portuguesa, sabemos que ainda temos muitos fumadores. Cerca de 17% da população com 15 ou mais anos fuma e há 21% de ex-fumadores.
Esse é o principal fator de risco. É mais que conhecido, está mais que associado ao cancro do pulmão.
Depois, ainda estamos na fase de estudar a implementação de um rastreio do cancro do pulmão e a forma de diagnosticar precocemente. Hoje, diagnostica-se precocemente quase por acaso, porque é uma doença silenciosa, que não dá sintomas. Os doentes acompanhados por causa de outras doenças, por exemplo, como DPOC ou asma, podem fazem TAC nesse contexto e descobrir a doença numa fase precoce. Porque sabemos que os doentes têm sintomas já numa fase avançada da doença.
Neste momento, a nossa arma para diagnosticar precocemente é fazer um TAC de rastreio, que ainda não está largamente disponível no Serviço Nacional de Saúde, mas é para aí que caminhamos.
HN- Relativamente ao tratamento, quais os procedimentos que realiza no São João?
PF- Voltando à estatística inicial, já tinha mencionado que o cancro do pulmão, quando é diagnosticado e estadiado, cerca de 15 a 20% está em estádios precoces. Resumidamente, são doentes com diagnóstico de um nódulo ou massa restrita a uma parte do pulmão, sem metastização. Ou seja, o doente não tem doença nem à distância, nem nos ossos, nem no cérebro. Ele tem a doença só naquela parte do pulmão.
A cirurgia torácica foi evoluindo, mas, nos últimos 30 anos – eu diria –, o que nós fazíamos era retirar cerca de metade do pulmão. Retirávamos o lobo que continha a lesão. O pulmão é dividido em lobos pulmonares: à direita temos três lobos pulmonares e à esquerda temos dois. Nós retirávamos o lobo pulmonar com o nódulo, quer este tivesse um, dois ou três centímetros.
Agora, temos evidência crescente de que conseguimos, com técnicas cirúrgicas mais complexas, nomeadamente com as segmentectomias anatómicas, retirar apenas o segmento pulmonar onde está o nódulo. Assim, retiramos uma parte mais pequena deste puzzle grande que é o pulmão. Claro que isto são técnicas cirúrgicas mais precisas e mais complexas, mas conseguimos poupar muito pulmão. Em vez de metade de um pulmão, retiramos um sétimo ou um oitavo do pulmão.
O que interessa é ter o mesmo benefício oncológico. O que interessa é poupar o máximo de pulmão possível, para a pessoa manter melhor função respiratória e ter melhor qualidade de vida, e garantir o resultado oncológico, o resultado de tratamento que nós teríamos com o que era standard nos últimos anos – as lobectomias.
Também com a evolução da cirurgia torácica, conseguimos fazer esses procedimentos mais complexos por toracoscopia. Se antigamente fazíamos toracotomias – incisões grandes no tórax – para esta e outras cirurgias, hoje conseguimos fazer procedimentos mais complexos através de incisão pequena, com 3 a 5 centímetros, com melhor qualidade de vida para os doentes e melhor pós-operatório.
HN- Estas técnicas poderão evoluir ainda mais em breve?
PF- Até recentemente, a evidência que nós tínhamos dizia-nos que este tipo de técnica não era a melhor oncologicamente, que a lobectomia daria aos doentes uma maior sobrevida. A evidência mais recente, pelo contrário, diz que, se retirarmos só aquele segmento do pulmão, vamos ter a mesma sobrevida e melhor função pulmonar. Portanto, agora voltamos a aproximar-nos destas técnicas mais complexas.
Esta cirurgia das segmentectomias anatómicas não dá para todos os doentes, só para lesões (nódulos) com menos de dois centímetros, periféricas. Estamos a falar de lesões relativamente pequenas. Enquadrando isto no rastreio, poderemos encontrar lesões cada vez mais pequenas. Ao encontrar cada vez mais doentes com lesões mais pequenas, temos cada vez mais doentes para aplicar estas técnicas, que são mais complexas, mas benéficas.
O melhor seria fazer a prevenção e não ter a doença. Tendo a doença, o mais interessante seria diagnosticarmos o mais cedo possível. Nos estudos sobre o rastreio do cancro, há evidência de que conseguimos fazê-lo: até cerca de 50% dos doentes conseguem ser diagnosticados numa fase precoce. Como eu disse há pouco, neste momento, só detetamos 15-20% dos doentes na fase inicial.
O rastreio permitiria detetar muitos mais doentes na fase inicial e oferecer um tratamento radical, que é a cirurgia, a muitos mais doentes e em nódulos mais pequenos, onde podíamos aplicar esta técnica.
As principais mensagens da oncologia pulmonar têm a ver com: a prevenção, que é a cessação tabágica, obviamente; o novo caminho do rastreio, que temos de seguir para reduzir a mortalidade de cancro do pulmão, e a evolução do tratamento. Depois de diagnosticar, cada vez conseguimos oferecer melhores tratamentos – tratamento sistémico com a imunoterapia, mas também com a cirurgia.
Conseguimos oferecer melhores tratamentos quando diagnosticamos precocemente, e com melhor qualidade, para os doentes terem um pós-operatório muito melhor, com muito menos dor, e retomarem a sua vida o mais rapidamente possível.
Entrevista de Rita Antunes
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