Quais os fatores de risco do cancro do ovário?

Há alguns fatores de risco conhecidos para o cancro do ovário, mas a maioria são inespecíficos e até desconhecidos. O principal é a idade. Na verdade o risco de ter cancro do ovário aumenta com a idade. Além destes temos outros como a história reprodutiva da mulher, nomeadamente, mulheres com uma menstruação muito precoce e/ou menopausa muito tardia. 

A existência de fatores de risco não significa que seja inevitável que a mulher venha a ter cancro do ovário. Provavelmente, o fator mais importante para além da idade é o risco genético. Hoje falamos muito na mutação do [gene] BRCA e acreditamos que 20 a 25% de todos os cancros do ovário possam estar associados a um fator genético, não só à mutação do BRCA, mas também a outras mutações. Em relação ao estudo genético, este apenas é investigado, de uma forma geral, quando a doente teve um tipo específico de cancro ou quando há uma história familiar sugestiva. 

A obesidade também é um fator de risco, enquanto a multiparidade, a amamentação e a toma de anticoncepcionais orais, por exemplo, parecem ter um efeito protetor.

Quantos novos casos surgem em Portugal e o que explica esta incidência?

Segundo os dados mais recentes do Registo Oncológico Nacional (RON), existem cerca de 500 casos de cancro do ovário em Portugal por ano, um número comparativamente mais baixo que o existente nos países europeus com dimensões populacionais idênticas às nossas.

Há uma série de fatores que estão associados ao risco de cancro do ovário, nomeadamente o fator genético como já disse. Existem alguns grupos populacionais aos quais está associada uma maior prevalência das mutações, o que poderá ser uma parte da explicação. Por outro lado, temos outros fatores de risco associados à sociedade ocidental como a obesidade e o sedentarismo que poderão também ajudar a explicar este facto.

Segundo um estudo recente efetuado à população geral, cerca de 85% das mulheres portuguesas não identificam os sinais e sintomas do cancro do ovário. Isso está relacionado com a falta de especificidade dos sintomas? 

O cancro do ovário não tem, infelizmente, sintomas ou sinais específicos e/ou precoces.

Na maior parte das vezes a mulher refere queixas muito inespecíficas como a distensão e/ou incómodo abdominal, algo que a maioria das pessoas refere, razão pela qual não é valorizado nem pela própria mulher, nem pelos médicos. Por esta razão, só quando estas queixas se agravam de forma significativa ou persistem muito no tempo é que acabam por ser valorizadas. De uma forma geral, qualquer sintoma que tenha uma frequência de mais de 12 dias por mês deve ser avaliado.

Henrique Nabais, médico
Henrique Nabais, médico ginecologista

O que se pode fazer para aumentar o número de diagnósticos precoce e diminuir o tempo até ao diagnóstico? 

Em primeiro lugar, fazer uma coisa que está muito na moda dizer e que parece um cliché, mas não é, “ouvir o corpo”. Quando alguma queixa surge de novo ou se agrava tem que ser valorizada. Imaginemos que uma mulher refere enfartamento depois de comer. Isto acontece a todos com alguma frequência e não tem qualquer importância, mas se passou a ter uma frequência maior ou é mais intensa tem de ser estudado. 

Acredito que iremos ter num futuro próximo um teste de rastreio, embora não nos próximos 3-5 anos, que possa ser aplicado à população geral. São múltiplos os estudos que estão a decorrer, inclusivamente na Fundação Champalimaud.

Cerca de 70 a 80% dos cancros do ovário são diagnosticados em estadios avançados, daí a importância de toda a luta que temos não só para desenvolver um método de rastreio, mas também no diagnóstico precoce e no desenvolvimento de tratamentos cada vez mais eficazes.

Quando falava há pouco de fatores de risco deste tumor, entre outros, mencionou as mutações nos genes BRCA. O que significa ter esta mutação?  

De uma forma simples podemos considerar que há 2 tipos de mutação BRCA: a BRCA 1 e a BRCA 2. Sabemos, por exemplo, que uma mulher que seja portadora da mutação BRCA 1 tem um risco aumentado de desenvolver cancro do ovário ao longo da vida, isto é, um risco cumulativo que varia entre 39% a 65%. Isto significa que nem todas as mulheres portadoras da mutação irão ter cancro do ovário, mas que o risco é razoavelmente alto. 

Temos um problema: não sabemos quais as mulheres que tendo a mutação irão desenvolver no futuro cancro do ovário. Há, certamente, outros fatores que ainda não conhecemos e que estão envolvidos no desencadear desta doença.

Nas mulheres que têm a mutação propomos quer medidas redutoras de risco, quer acompanhamentos diferentes em relação à população geral. 

A partir dos 35 anos, abordamos a questão da eventual cirurgia redutora de risco que significa a remoção dos ovários e das trompas. Esta cirurgia só deve ser efetuada após as mulheres concluírem o seu desejo de fertilidade e quando for uma escolha individual e esclarecida. Não podemos, em momento algum, desvalorizar a importância da informação pré-teste e pré-cirurgia. É fundamental que cada mulher saiba exatamente quais as consequências, boas e menos boas, desta cirurgia. 

Na mulher que não pretenda fazer cirurgia, o que é perfeitamente lícito, propomos um acompanhamento específico. A maioria dos centros oncológicos propõe uma avaliação semestral com ecografia ginecológica e o marcador tumoral CA 125. 

Para a doente oncológica, isto é, para a doente com cancro do ovário, o facto de ser portadora de uma destas mutações implica, com frequência, uma abordagem terapêutica diferente, nomeadamente em termos do tratamento de manutenção.

O que falta fazer ao nível das políticas de saúde para se promover o diagnóstico precoce deste tipo de cancro?

A eficiência da referenciação destas doentes deteriorou-se muito com a pandemia, o que associado à da falta de profissionais e de várias outras circunstâncias atrasou o diagnóstico e o tratamento atempado de forma significativa. 

Por outro lado, se o diagnóstico pode ser feito na maior parte das instituições, já o tratamento, em particular dos estadios avançados que são a grande maioria dos casos, deverá estar reservado às unidades com grande experiência, os chamados Centros de Referência. Esta organização dos cuidados de saúde, já existente noutros países, permitiria não só poupar muito dinheiro, mas também, e acima de tudo, tratar muito melhor as nossas doentes. É algo que em Portugal estamos a tentar construir, mas que ainda temos de fazer algum caminho até lá.

Em que consiste a iniciativa "Eu preferia saber… Que a mutação BRCA pode mudar a minha história”, inserida no projeto saBeR mais ContA?

A propósito do Dia Mundial do Cancro do Ovário, o projeto saBeR mais ContA, uma iniciativa que, em 2023, conta com a Careca Power, a Evita, a Europacolon, a MOG (Movimento Oncológico Ginecológico), a Revista Cuidar, a Sociedade Portuguesa de Genética Humana, a Sociedade Portuguesa de Ginecologia, a Sociedade Portuguesa de Oncologia, a Sociedade Portuguesa de Senologia e a AstraZeneca, lança uma campanha, com o mote ‘Eu preferia saber...’,  que chama a atenção para a existência de mutações genéticas que aumentam o risco deste tumor.

O projeto “saBeR mais ContA” tem como objetivo, desde 2019, esclarecer a população, particularmente, doentes oncológicos e seus familiares sobre a relação entre as mutações genéticas BRCA e alguns tipos de cancro, entre os quais o cancro do ovário. Conta com um site para consulta e presença nas redes sociais, onde regularmente são partilhados diversos conteúdos, entre eles, vídeos informativos.

No âmbito do Dia Mundial do Cancro do Ovário que mensagem destacaria para as mulheres e para os profissionais de saúde?

Um diagnóstico tardio implica sempre tratamentos mais caros e, mais importante, resultados menos bons. Um diagnóstico tardio é altamente oneroso, quer a nível económico, quer nas múltiplas esferas da vida da mulher, da família e da sociedade.

Há muitas pessoas em Portugal, mulheres e homens, que ainda não têm a rotina de um acompanhamento regular e isso deve-se a vários fatores como a iliteracia em saúde e às dificuldades próprias do Serviço Nacional de Saúde atual. Atualmente, há milhares de portugueses sem acesso a um médico de família o que leva a que o acompanhamento de rotina e a avaliação individual em caso de suspeita não se faça da forma mais adequada. Por isso, e a propósito deste dia, alerto para a necessidade de as mulheres não prescindirem de uma avaliação de rotina regular, de não se esquecerem de “ouvir o seu corpo” e, ao mesmo tempo, exigirem melhores práticas no diagnóstico, na referenciação e no tratamento da sua doença.