"Estou rouco há 3 meses. Pensei que fosse das bebidas frias e não liguei. Finalmente fui hoje a uma consulta de Otorrinolaringologia. O médico disse-me que tinha um tumor maligno da laringe. Tenho de ser operado e tirar as cordas vocais. Tenho cancro da laringe. Porque é que não liguei à rouquidão?" Este é o testemunho de um doente.

Qual é a frequência do cancro da laringe?

O cancro da laringe é o segundo cancro mais frequente da Cabeça e Pescoço, a seguir ao da boca. O Sul da Europa é a região geográfica do Mundo com a maior incidência de cancro da laringe. A incidência em Portugal é de 6 novos casos/100.000 habitantes por ano, o que significa  600 novos doentes com cancro da laringe por ano.

Ocorre predominantemente no sexo masculino, mas dados recentes mostram um aumento da sua incidência no sexo feminino.

A incidência é maior entre os 60 e 70 anos. Menos de 1% ocorre em pacientes com idade inferior a 30 anos.

Quais são as causas de cancro da laringe?

Várias causas podem provocar cancro da laringe. O tabaco é o mais importante. Quanto maior é o número de cigarros maior é o risco. O risco baixa ao deixar de fumar, igualando o risco dos não-fumadores após 15 anos.

O álcool é o segundo fator mais importante, e tem um efeito sinérgico com o tabaco, isto é, potenciam-se um ao outro. O álcool é um fator independente, que só por si pode provocar cancro. Quanto maior a ingestão de bebidas alcoólicas maior o risco.

Algumas profissões e exposições também estão relacionadas com aumento de risco de cancro da laringe, tais como: soldadores, pintores, trabalhadores da construção civil, exposição ao amianto, pó de madeira, gasolina e gasóleo, e exposição a radiações no pescoço.

O refluxo gastro-esofágico é também considerado um fator. A infeção por HPV (vírus do papiloma humano), nomeadamente os genótipos 16, 18, 33, pode provocar cancro da laringe, embora esteja mais relacionado com cancro das amígdalas.

O aparecimento de cancro da laringe resulta de uma complexa interação entre fatores do doente e fatores exteriores.

Quais são os sintomas?

A rouquidão é o sintoma mais frequente de cancro da laringe, porque as cordas vocais, responsáveis pela produção de voz, são o local mais frequente de cancro da laringe. Qualquer pequena alteração das cordas vocais origina uma alteração da voz.

Outros sintomas de cancro da laringe são: dor faríngea crónica, dor referida no ouvido, dificuldade ou dor ao engolir, falta de ar, tosse crónica, perdas de sangue pela boca, ou massas no pescoço.

A que consulta recorrer? Como se faz o diagnóstico?

Deverá consultar um Otorrinolaringologista. Nesta consulta será realizada uma laringoscopia direta, ou uma nasofibroscopia (exame pelo nariz), de forma a observar a laringe e as cordas vocais. Se houver indicação será programada uma biópsia(fragmento do tumor).

Esta biópsia pode ser realizada na consulta externa sob anestesia local. Se tal não for possível será necessário realizar a biópsia sob anestesia geral no bloco operatório.

O material de biópsia permite o diagnóstico definitivo, isto é, se se trata de um tumor benigno, de uma lesão pré-maligna, ou de um tumor maligno. Permite também identificar o tipo de tumor maligno.

Qual é o tratamento do cancro da laringe?

O cancro da laringe pode ser tratado de forma eficaz de várias formas: cirurgia, radioterapia e o tratamento combinado de quimioradioterapia.

A cirurgia engloba as microcirurgias a LASER CO2, e as cirurgias realizadas por via externa (laringectomias parciais e totais).

A cirurgia LASER é utilizada para tumores da laringe pequenos.

Nas laringectomias parciais retira-se parte da laringe com o tumor, e efetua-se uma reconstrução, com manutenção das funções da laringe.

A laringectomia total consiste em retirar toda a laringe, e tem indicação para tumores avançados. Nesta cirurgia não há manutenção das funções da laringe.

A radioterapia é um tratamento externo no qual se utilizam radiações para destruir as células do tumor. A radioterapia pode ter indicação para tratar tumores pequenos, com os mesmos resultados do que a cirurgia. A radioterapia pode ser utilizada também após a cirurgia, como tratamento complementar.

O tratamento combinado de quimiorradioterapia consiste na realização de radioterapia durante 6 semanas, realizando-se 3 ciclos de quimioterapia, no 1º, no 22º e no último dia de radioterapia. Este tratamento surgiu para tratar tumores avançados da laringe, como alternativa à laringectomia total.

O tratamento dos tumores da laringe tem como objetivo a cura dos pacientes. Todas as decisões de tratamento são ponderadas caso a caso, de acordo com as localizações dos tumores e com as características dos pacientes.

Fico sem falar se tiver que tirar toda a laringe?

Após laringectomia total existem várias formas de reabilitar a voz. A mais frequente, se possível, é o uso de uma prótese traqueoesofágica. Esta prótese é colocada entre a traqueia e o esófago, e permite a passagem de ar pulmonar para a faringe. A mucosa da faringe vai vibrar e vai produzir som, que permite o paciente falar.

Como alternativas na reabilitação vocal existem a voz esofágica, e o uso de laringe eletrónica.

Qual o prognóstico?

A sobrevida aos 5 anos para o cancro da laringe na sua globalidade, incluindo todos os estádios da doença, é de 65%. Corresponde a um dos cancros mais curáveis das vias aerodigestivas superiores.

Os estádios precoces, com tumores pequenos (T1), têm uma taxa de cura de cerca de 90%, isto é, 90 doentes curam-se em cada 100 com cirurgia LASER ou radioterapia.

Os estádios mais avançados têm uma taxa de cura de apenas 50-60% aos 5 anos.

Qual o aspeto mais importante para a cura do cancro da laringe?

Sem dúvida que é o seu diagnóstico precoce. É fundamental estar atento aos sintomas.

Não deixe para amanhã o que pode fazer hoje, independentemente de estarmos a viver uma pandemia.  Uma das grandes preocupações que eu e os meus colegas dedicados à oncologia partilhamos é a do impacto da drástica diminuição registada de diagnósticos de novos casos de cancro, durante o período de confinamento a que a população esteve sujeita no âmbito da pandemia - pois os cancros não deixaram de existir, o que aconteceu foi que as pessoas não procuraram diagnosticá-lo.

É imperioso que a população saiba que apesar deste cenário de pandemia não se devem inibir de procurar resposta caso identifiquem uma alteração da voz - devem contactar as suas unidades de saúde e solicitar avaliação médica.

A segurança dos circuitos para o diagnóstico e tratamento estão implementados e os pacientes devem sentir-se seguros em reportar ao médico os seus sintomas e assim procurar um diagnóstico o mais cedo possível.

Um artigo do médico Pedro Montalvão, otorrinolaringologista no Hospital CUF Descobertas - coordenador da Unidade de Cancro da Cabeça e Pescoço da CUF Oncologia.