O cancro da cabeça e pescoço, embora ainda pouco conhecido da população em geral, é o sexto tumor maligno mais frequente a nível mundial, ocupando o quarto lugar em Portugal.
Os tumores da cabeça e pescoço compreendem os tumores da cavidade oral, da faringe (divididos em orofaringe, nasofaringe e hipofaringe), e da laringe, além dos tumores das glândulas salivares, incluindo os tumores da parótida, estes mais raros, embora ultimamente pareçam estarem a aumentar de incidência.
No global, os mais frequentes são os tumores da laringe, seguidos dos tumores da cavidade oral - em particular da língua e pavimento da boca, e dos tumores da orofaringe.
Portugal tem uma taxa de incidência e de mortalidade das mais elevadas da Europa com cerca de 15 casos de cancro oral por cada 100 mil habitantes.
Quais os fatores de risco?
Os principais factores de risco da doença são o consumo excessivo de álcool, o tabagismo (contando aqui o número de cigarros por dia e o número de anos), sendo que a associação dos dois não duplica o risco mas sim multiplica. O seu efeito está relacionado com diversas transformações na mucosa oral, com um efeito carcinogénico directo nas células epiteliais.
Outro factor de risco que atualmente se fala e que é real, corresponde à infeção pelo Vírus Papiloma Humano (HPV). Este vírus, transmitido sexualmente, produz infeção habitualmente assintomática, podendo o vírus “ficar” alojado durante muito tempo, acabando por condicionar alterações das células dos tecidos onde se aloja que podem ir até alterações de atipia, ou seja de tumor maligno. Na cabeça e pescoço normalmente localiza-se na orofaringe, sendo que investigações mais recentes também apontam para “apetência” do vírus para a cavidade oral.
Outros factores de risco associados aos tumores malignos da cavidade oral são os deficientes hábitos de higiene oral, uso de próteses dentárias mal adaptadas que possam provocar traumatismos repetitivos e ainda reduzida ingestão de vegetais e fruta, ricos em agentes antioxidantes.
Como se manifestam estes tumores?
A sua manifestação inicial pode ser confundida com um inchaço por inflamação, por exemplo da gengiva, uma ferida ou ulceração que pode ser confundida com uma infeção a fungos, ou ferida traumática de uma prótese dentária. Dor e endurecimento no pavimento da boca, um dos locais frequentes destes tumores. Inchaço no pescoço por envolvimento de gânglios cervicais pela doença.
Um conselho prático importante será o de que qualquer alteração na cavidade oral e pescoço, que não cure em 2 semanas, especialmente se após um tratamento sintomático, por exemplo, com um anti-inflamatório, é obrigatório recorrer a um especialista – um médico de Estomatologia ou de Otorrinolaringologia para observação e biópsia para confirmação do diagnóstico.
Uma vez feito o diagnóstico, a pessoa deve ser encaminhada para um grupo de profissionais experientes no diagnóstico e tratamento destas situações.
É necessário um correto estadiamento da doença que implica realização de exames que incluem um TAC para melhor definição da lesão e dos gânglios do pescoço, exclusão de lesões no pulmão, por exemplo, e de outros locais do aparelho aerodigestivo, que infelizmente possam existir simultaneamente.
Só assim se pode efetuar um estadiamento correto da situação para estabelecimento de um plano terapêutico adequado.
Qual é então a importância de encaminhamento precoce destas situações?
É de uma importância vital o seu precoce diagnóstico pois em fases iniciais os tumores da cavidade oral são tratados com cirurgia, conseguindo-se assim uma cura que pode atingir os 90% dos casos.
Em situações mais avançadas o tratamento é multidisciplinar, incluindo quimioterapia, radioterapia, cirurgia, em associação ou em sequência que dependerá do caso, mas em que o sucesso e cura é menos elevado, sendo que a recorrência da doença nestes casos ultrapassará os 50%. Na recorrência local e em orgãos à distância o tratamento continua a ser multidisciplinar, acrescida aqui da possibilidade da imunoterapia que nos permite um ganho de sobrevivência média global de 13 - 14 meses, mas ainda assim não a cura, nesta fase.
Assim, mesmo no contexto atual da pandemia COVID-19 a população não deve descurar o recurso ao especialista pois estando os serviços hospitalares conscientes da sua importância têm os procedimentos e circuitos organizados de forma a garantir a segurança dos doentes e profissionais, para que as consultas médicas, exames e tratamentos sejam efetuados na maior segurança para todos.
Diagnosticar e tratar o cancro é urgente, pois um diagnóstico precoce pode significar um tratamento eficaz e resolução da doença.
Um artigo da médica Leonor Abreu Ribeiro, especialista em Medicina Interna e Oncologia Médica. Consultora de Oncologia Médica na CUF Oncologia - Hospital CUF Infante Santo - e no Centro Hospital Universitário Lisboa Norte. É ainda Membro da Direção do Grupo de Estudos Português do Cancro da Cabeça e Pescoço.
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