É por isso que as janelas das casas da Rua Direita de São Pedro, a estrada principal onde está situado o solar centenário que acolhe a Câmara Municipal da Chamusca ou os Correios, estão fechadas.
A população ribatejana queixa-se há muito da passagem dos camiões pelo interior da vila, no distrito de Santarém, em trânsito para o Eco Parque do Relvão, a zona industrial dedicada à valorização e tratamento de resíduos, desde urbanos aos industriais perigosos.
João Nazário, de 82 anos, é um desses habitantes e não pode ter as janelas da sua casa abertas “por causa do cheiro” deixado pelos “muitos camiões” que todos os dias atravessam a terra que o viu nascer.
“Não era assim. Só tenho a dizer mal daquilo que se passou aqui na Chamusca. [Os camiões] passam para Almeirim com estrume e outros para a Resitejo [Associação de Gestão e Tratamento dos Lixos do Médio Tejo] que também não vão tapados”, disse, franzindo o nariz como que a lembrar-se do cheiro. “Qualquer dia tenho de usar uma máscara”, gracejou.
São cerca de 17 os quilómetros entre o centro da vila e o complexo industrial, tomando como ponto de partida o semáforo junto à câmara municipal, onde várias vezes ao dia, conforme a Lusa constatou, os camiões fazem fila à espera do sinal verde, alguns exalando um odor agonizante.
“Durante a manhã é pior com os camiões a passar. O pivete que aqui fica, com os camiões a deitar o ‘molho’ para o chão. Antes de estar aquilo do Relvão não era assim, há alturas em que cheira muito a porcaria de porco”, contou Luís Moreira.
Para este chamusquense de gema, há uma alternativa para desviar o trânsito da vila: “Deviam ir pela estrada militar que passa a Ulme, uma estrada que vai embocar diretamente ao Relvão. Disseram que desviavam o trânsito de dentro da vila e não desviaram”, lamentou.
Segundo o presidente do município, Paulo Queimado (eleito pelo PS), a questão da passagem dos camiões pela vila é a principal queixa da população sobre a localização do Eco Parque do Relvão.
“As populações queixam-se em várias frentes, seja pela degradação das estradas, seja a questão do transporte e da quantidade de camiões que passa por dentro das localidades, muitas vezes com cheiros, falando da questão de lamas, um cheiro que incomoda bastante”, explicou Paulo Queimado.
De acordo com o autarca, também há preocupações acerca dos resíduos sem cheiro: “Muitas vezes não se sabe quantificar e avaliar a perigosidade deste tipo de transporte”.
Paulo Queimado lembrou ainda a existência do Terminal Multimodal do Vale do Tejo, junto à linha férrea em Riachos, no concelho de Torres Novas, que dista cerca de 25 a 30 minutos do Eco Parque, e o facto de haver “uma valorização do transporte ferroviário”, tendo em conta a pegada ecológica.
“Muito transporte de resíduos é feito por ferrovia e depois transporte por rodovia até ao Eco Parque”, explicou, denotando o estado de degradação das vias do concelho, que não estão dimensionadas para transportes “com 40 ou 50 toneladas”.
Paulo Queimado lembrou que, na altura da instalação dos dois CIRVER – Centro Integrado de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos no concelho da Chamusca, “havia a contrapartida do Governo” de fazer a ligação do Itinerário Complementar 3 à Autoestrada 13, entre Almeirim e Vila Nova da Barquinha, o que nunca foi cumprido. “Agora foi notícia a rejeição de uma proposta para incluir no Orçamento do Estado 2020″, acrescentou.
A exigência do autarca mantém-se, sobretudo pela “questão do bem-estar das populações”, que veem “os camiões encostados às janelas dentro da Chamusca, paredes meias com os quartos das pessoas”.
“É uma preocupação a nível de saúde pública. Outra questão é a circulação e desenvolvimento que traria para a região este troço, que inclui uma obra de arte, a ponte sobre o rio”, referiu.
O autarca socialista assinalou que por dia passam “10 mil viaturas na ponte da Chamusca, das quais mil são camiões, veículos pesados”. Destes, há “480 com destino ao Eco Parque do Relvão”.
José Crispim gere as bombas de gasolina perto da ponte Isidro dos Reis, mais conhecida por ponte da Chamusca, e diz que o tráfego a caminho do “aterro da Carregueira” é mais intenso “de manhã e rente à tarde”.
“Há um ou outro que não sabemos o que levam, outros deixam cheiros que permanecem por volta de cinco minutos. Daqueles com lamas a céu aberto, que não vêm tapados, passam se calhar 10 por dia”, contou.
Manuel Neves concorda com os seus conterrâneos ao explicar que os camiões que passam “têm um cheiro horrível que não se aguenta”. Além disso, os moradores não sabem bem o que levam, mas imaginam-se várias hipóteses.
“Resíduos de hospitais e de fossas, coisas que ouvimos dizer”, atirou.
Ainda assim, “alguém tem de tratar do lixo, calhou ser aqui”.
Projetado em 2004, o Eco Parque do Relvão concentra em cerca de 600 hectares várias empresas que fazem a valorização e o tratamento de resíduos, desde urbanos aos industriais perigosos, passando pelo tratamento de resíduos hospitalares de lamas de estações de tratamento de águas residuais ou veículos em fim de vida.
Os seus dois CIRVER receberam um total 398 mil toneladas de resíduos industriais perigosos de proveniência nacional e internacional em 2019, tendo a maioria sido depositada em aterro.
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