Um estudo realizado com 3.202 pessoas idosas mostrou que o controlo adequado da glicemia, em diabéticos, é capaz de amenizar o declínio da velocidade de caminhada. A lentidão em pessoas idosas é um importante indicador de mobilidade e está associada à perda de independência e ao maior risco de quedas, hospitalização, institucionalização e morte.

Resultados do trabalho indicam que o mau controlo glicémico, e não o diabetes em si, é um discriminador do declínio da velocidade de caminhada em pessoas idosas independentemente das condições prévias de mobilidade e pode servir como uma ferramenta de triagem precoce para o risco de diminuição do desempenho funcional na população idosa.

“Já se sabia que o diabetes tinha um impacto negativo na velocidade da caminhada de pessoas idosas. O que não sabíamos, e o resultado do estudo nos surpreendeu muito, foi quanto o controlo glicémico adequado pode reduzir esse processo. Na comparação, as pessoas idosas com diabetes [controlado ou não] tiveram uma redução da velocidade de caminhada maior do que aquelas que não tinham a doença. No entanto, nos indivíduos com adequado controlo glicémico essa redução foi muito menor. Isto é mais um alerta para a importância de controlar o nível glicémico”, diz à Agência FAPESP Tiago da Silva Alexandre, professor do Departamento de Gerontologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e orientador do estudo, que foi financiado pela FAPESP.

Vale destacar que, geralmente, o controlo glicémico é avaliado por meio dos níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) no sangue – parâmetro que reflete a quantidade de açúcar circulante. Nos indivíduos com diabetes, a meta glicémica é atingida quando os níveis de HbA1c estão entre 6,5% e 7,0%, o que caracteriza o adequado controlo glicémico. Já níveis de HbA1c acima de 7,0% correspondem a um pior controlo glicémico.

O trabalho, publicado na revista Diabetes, Obesity and Metabolism, é o primeiro a comparar a evolução do processo de lentidão entre pessoas idosas diabéticas com e sem adequado controlo glicémico.

Para isso, foi realizada a análise de um banco de dados de 3,2 mil britânicos com mais de 60 anos acompanhados por oito anos no âmbito do Projeto ELSA (acrónimo em inglês para Estudo Longitudinal Inglês do Envelhecimento). Realizado por investigadores do University College London (Reino Unido), este estudo longitudinal coleta dados multidisciplinares de uma amostra representativa da população britânica. A análise dos dados sobre diabetes e lentidão foi feita pelo grupo da UFSCar.

“O declínio anual da velocidade de caminhada nos participantes com diabetes e pior controlo glicémico foi de 0,015 metros por segundo [m/s] por ano, totalizando uma redução de 0,160 m/s em oito anos. Dado que a velocidade de caminhada para uma pessoa idosa deve ser superior a 0,8 m/s, o declínio verificado foi de um quinto do valor considerado normal. Já nos participantes com diabetes e adequado controlo glicémico, o declínio anual da velocidade de caminhada também ocorreu, mas foi de 0,011 m/s por ano, totalizando uma redução de 0,130 m/s em oito anos”, conta Mariane Marques Luiz, que conduziu a investigação durante o seu doutoramento na UFSCar.

Perda de função

Os investigadores explicam que a redução da velocidade de caminhada é o produto final de todo o processo que envolve a alta de glicose e ocasiona prejuízos visuais, neurológicos e musculares.

O diabetes é uma doença que tem impacto em diferentes órgãos do corpo, como os rins, os olhos, vasos sanguíneos, músculos e nervos. “Como o indivíduo com diabetes não produz ou produz menor quantidade de insulina – o hormônio responsável por colocar a glicose dentro das células – essa glicose fica aumentada na corrente sanguínea, gerando problemas nos vasos sanguíneos. Ela liga-se às paredes dos vasos, gerando oxidação e aumento na formação de trombos e coágulos, mas, sobretudo, lesando o vaso sanguíneo”, detalha Alexandre.

O investigador explica que a lesão vascular ocasionada pelo diabetes prejudica também a nutrição dos nervos e dos músculos. “O processo de glicação nos nervos, nos músculos e nos olhos vai paulatinamente afetando todas as etapas da marcha. Vale lembrar que, para ter equilíbrio, é preciso, além de uma boa visão, ter músculos e nervos a funcionar bem para levar informação sensitiva ao sistema nervoso central e gerar resposta motora. Mas, com todas essas perdas de função, a capacidade de caminhada fica prejudicada”, afirma.

É importante destacar que tratar o diabetes não consiste apenas em ter um controlo glicémico adequado. “Isso é importante, pois significa que a glicose não ficará livre na corrente sanguínea, ocasionando problemas. Mas o diabetes é uma doença muito mais complexa, podendo causar problemas no coração e nos rins, só para citar outros dois exemplos”, sublinha.

Lentidão

No estudo recentemente publicado, os investigadores também avaliaram se a velocidade de marcha anterior ao diabetes poderia influenciar na lentidão. Para isso, excluíram da análise os indivíduos que já apresentavam lentidão na caminhada. “Nessa segunda análise, com 2.126 participantes, verificou-se um declínio ainda maior da velocidade de caminhada nos participantes com diabetes e pior controlo glicémico. O declínio foi de 0,014 m/s por ano, ou um total de menos 0,222 m/s ao final dos oito anos, ou seja, mais de um quarto do valor considerado normal para uma pessoa idosa”, conta Luiz.

“Os achados evidenciam a importância de controlar adequadamente a glicose no sangue, ou seja, manter os níveis de hemoglobina glicada abaixo de 7,0% em pessoas idosas com diabetes. Desse modo evita-se a perda acelerada na velocidade da marcha”, completa.

O artigo Could poor glycaemic control be a predictor of walking speed decline in older adults? Evidence from the English Longitudinal Study of Ageing pode ser lido em: https://dom-pubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/dom.15549?af=R.