HealthNews (HN) – Os estatutos da Associação Portuguesa dos Enfermeiros de Reabilitação foram publicados em Diário da República em 1978, decorridos pouco mais de dez anos do surgimento do primeiro Curso de Especialização em Enfermagem de Reabilitação (CEER) em Portugal, em 1965. Estão ambas, Enfermagem de Reabilitação e Associação, bem consolidadas em Portugal?

Belmiro Rocha (BR) – Estão, sim. Foi um processo que começou nos inícios da década de 60, decorrente de três enfermeiras portuguesas que foram aos Estados Unidos (Warm Springs) fazer formação no âmbito da Enfermagem de Reabilitação. Foi a enfermeira Maria de Lurdes Sales Luís, em conjunto com as enfermeiras Maria da Graça Semião e Maria Eduarda Carmona, que fizeram a formação e trouxeram para Portugal o modelo organizacional e de cuidados, no âmbito da Enfermagem de Reabilitação, e implementaram cá o Curso de Especialização de Enfermagem de Reabilitação. O primeiro curso começou em 1965 e teve 14 enfermeiras a frequentá-lo. Depois disso, o curso expandiu-se e a Enfermagem de Reabilitação teve oportunidade de mostrar que trazia resultados positivos e ganhos efetivos para a saúde dos portugueses. Neste momento, podemos dizer com toda a segurança que, efetivamente, a Enfermagem de Reabilitação portuguesa está viva, consolidada e em franco desenvolvimento.

HN – Quais foram os principais marcos da história da Associação?

BR – A APER teve muitas atividades ao longo de todos estes anos, mas esteve sempre presente em participação na construção das carreiras de Enfermagem, esteve sempre presente em atividades ligadas à comunidade, no âmbito da promoção da saúde, no âmbito da prevenção da doença, no âmbito da educação para a saúde. Tem feito muito trabalho e desse trabalho resultou, por exemplo, a criação da Bolsa de Investigação Maria Manuela Martins (BIMMM), que instituímos há pouco tempo, e da Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação (RPER), uma publicação indexada à SCOPUS muito recentemente, o que é uma excelente notícia do ponto de vista científico e da inovação para a Enfermagem de Reabilitação. Organizamos congressos nacionais e internacionais, que são momentos de partilha do que de bem se faz no âmbito da Enfermagem de Reabilitação em Portugal.

Também gostaríamos de salientar que a Associação Portuguesa de Enfermeiros de Reabilitação participou num marco muito significativo para a Enfermagem portuguesa, que foi a criação da Ordem dos Enfermeiros, em 1998, com a sua Comissão/Colégio de Especialidade de Enfermagem de Reabilitação. Neste âmbito, a Associação Portuguesa de Enfermeiros de Reabilitação teve um papel muito importante de participação na construção de muitos referenciais e normativos no âmbito da Enfermagem de Reabilitação, e principalmente na questão das competências específicas dos enfermeiros de reabilitação, que são três: cuidar de pessoas com necessidades especiais ao longo do ciclo de vida, em todos os contextos da prática de cuidados; capacitar a pessoa com deficiência, limitação e/ou restrição da participação para a reinserção e exercício da cidadania; e maximizar a funcionalidade desenvolvendo as capacidades da pessoa.

Por outro lado, sensivelmente há dois anos, a Associação Portuguesa de Enfermeiros de Reabilitação lançou uma petição para criar o Dia Nacional do Enfermeiro de Reabilitação: a 18 de outubro, porque foi o primeiro dia do primeiro Curso de Especialização de Enfermagem de Reabilitação. Isto foi à Comissão Parlamentar da Saúde e foi aprovado em Assembleia da República. É um reconhecimento de todo o trabalho dos enfermeiros de reabilitação e um reconhecimento do trabalho da enfermeira Sales Luís no início desta especialidade. Constitui também um marco muito significativo. Claro que temos muitos outros marcos ao longo do tempo, de participação com as nossas tutelas, de participação com a comunidade, de atividade muito ligada com as autarquias, entre outros.

HN – Atualmente, quais são as principais prioridades da Associação?

BR – As principais prioridades da Associação vão desde aumentar a visibilidade da especialidade ao reconhecimento e à consolidação das intervenções dos enfermeiros de reabilitação, que visam promover o diagnóstico precoce e as ações preventivas de Enfermagem de Reabilitação, de forma a assegurar a manutenção das capacidades funcionais dos clientes (pessoas alvo das intervenções), prevenir as complicações e evitar as incapacidades, assim como também visam proporcionar intervenções terapêuticas com vista a melhorar as funções de reabilitação, de reeducação e recuperação da sua independência nas atividades de vida e minimizar o impacto das incapacidades instaladas, seja por doença ou por acidente.

Neste momento, também temos como prioridade os aspetos ligados à investigação. Precisamos de investigar para desenvolver a especialidade, mas também precisamos de incrementar aspetos da partilha de evidência e boas práticas.

Para uma melhor atuação e desenvolvimento destas prioridades, precisamos de disponibilidade e proximidade à pessoa que necessita dos nossos cuidados no âmbito da reabilitação, porque, efetivamente, nós precisamos de conhecer bem as suas necessidades, do ponto de vista de saúde e, neste caso específico, da reabilitação das pessoas, e corresponder à sua resolução.

Enquanto os enfermeiros salvam vidas, os enfermeiros de reabilitação salvam a qualidade de vida das pessoas. E sabendo nós que as pessoas hoje vivem mais tempo, isto efetiva-se sempre que elas possam ter maior qualidade de vida nesses anos de vida acrescentados.

No entanto, para conseguir isto, precisamos de estar atentos, colaborar e sensibilizar, no sentido de adequar os rácios de enfermeiros de reabilitação às necessidades efetivas de cuidados das pessoas, nomeadamente no âmbito dos cuidados de saúde primários, entre outros contextos.

HN – No Congresso Internacional de Enfermagem de Reabilitação (CIER), que decorreu nos dias 30 de novembro e 1 e 2 de dezembro, sob o lema “Competências, Valor para as Pessoas”, reservaram uma mesa para a discussão do tema “Unidades Locais de Saúde e Integração de Cuidados”. Com base na sua experiência profissional, na presidência da associação desde 2008, na Ordem dos Enfermeiros, enquanto enfermeiro gestor do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, e com base no seu percurso académico, que inclui formação em gestão de saúde, diria que a reforma que começa em janeiro de 2024 é uma boa solução?

BR – Pode seguramente ser uma boa solução. A questão das Unidades Locais de Saúde (ULS) não é algo novo, do ponto de vista da sua existência. Já desde 1999 que temos Unidades Locais de Saúde, com a Unidade Local de Saúde de Matosinhos, que foi a primeira a ser criada. Claro que agora estamos a falar de uma prática generalizada, em termos de organização. Nesse aspeto, a questão das ULS é para nós, enfermeiros de reabilitação, uma oportunidade e uma mais-valia para as pessoas, essencialmente pelas questões da articulação, da organização e continuidade dos cuidados – portanto, existe uma integração global de cuidados. Se existir esta melhor articulação e continuidade de cuidados, será possível dar uma melhor resposta de saúde às pessoas, reduzir a pressão sobre as unidades de saúde e gerir melhor os recursos humanos, técnicos e financeiros existentes.

HN – Como referiu, a Bolsa de Investigação Maria Manuela Martins é das iniciativas mais recentes da associação. Porquê agora e com que objetivo foi criada?

BR – Foi criada em 2022. Teve a sua primeira edição em 2022 e a segunda edição em 2023. Tem um prémio anual de 3000 euros para o vencedor. Nós temos a noção de que existem muitos prémios, depois de trabalhos feitos podemos concorrer a muitos prémios; mas às vezes temos a ideia ou o projeto, mas não temos os recursos. A bolsa de investigação surge precisamente para estas situações, em que os colegas têm a ideia, têm o projeto, mas não têm os recursos iniciais para arrancar.

Entendemos que a questão da investigação é uma prioridade para a Associação Portuguesa de Enfermeiros de Reabilitação e para a Enfermagem de Reabilitação, no sentido de darmos mais visibilidade e reconhecimento; mais evidência aos cuidados de Enfermagem de Reabilitação, precisamente para que nos possamos desenvolver e expandir o nosso âmbito de atuação.

HN – Por sua vez, o Prémio Maria de Lurdes Sales Luís surgiu em 2014, homenageando a precursora da Enfermagem de Reabilitação em Portugal. O que esperam ajudar a desenvolver em Portugal?

BR – O Prémio Maria de Lurdes Sales Luís é um prémio anual. Já vai na sua décima edição. Criámo-lo porque precisávamos um bocadinho de, em termos práticos, reconhecer e distinguir pessoas, instituições, iniciativas ou projetos que contribuíam para o desenvolvimento e divulgação da Enfermagem de Reabilitação, ou que contribuíam para a promoção da igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência e do exercício da cidadania.

Começou em 2014. O primeiro prémio foi atribuído ao programa Sociedade Civil da RTP; depois tivemos, em 2015, o Jornal Médico – JustNews; em 2016 o Instituto Nacional para a Reabilitação; em 2017 o Doutor Francisco George da Direção-Geral da Saúde; em 2018 a enfermeira Manuela Martins, professora na Escola Superior de Enfermagem do Porto; em 2019 a Plataforma Saúde em Diálogo; em 2020 homenageámos na sua globalidade os enfermeiros de reabilitação (foi um tempo muito difícil no âmbito do Covid-19) pelo seu trabalho no contexto do terreno; em 2021 a Associação Novamente; em 2022 a enfermeira Isabel Ribeiro, nossa anterior presidente; e em 2023 o prémio foi atribuído à Associação Salvador, criada por Salvador Mendes de Almeida, que tem por missão promover a inclusão das pessoas com deficiência motora na sociedade e melhorar a sua qualidade de vida, potencializando os seus talentos e sensibilizando para a sua igualdade de oportunidades.

No fundo, o que nós queremos fazer com o Prémio Maria de Lurdes Sales Luís é dar visibilidade àqueles que nos dão “visibilidade”, mas também àqueles que beneficiam do trabalho e do exercício dos enfermeiros de reabilitação, e é também uma homenagem à enfermeira Sales Luís, que foi a nossa precursora no âmbito da Enfermagem de Reabilitação a nível nacional – começou com o primeiro curso de especialidade. São princípios e orientações que ela sempre teve ao longo da sua vida profissional. Nós também quisemos deixar-lhe aqui um legado, que não é só uma questão de nome, é uma questão de princípios e de valores.

HN – E na comunidade, a nível de projetos e parcerias, qual tem sido o vosso papel?

BR – Para nós, o trabalho com a comunidade é de extrema relevância porque precisamos desta ligação de disponibilidade e de proximidade para com as pessoas que são ou podem vir a ser alvo dos nossos cuidados. Queremos aproximar-nos delas, conhecer bem as suas realidades. Trabalhamos com as autarquias, trabalhamos com associações da área da deficiência, trabalhamos com as entidades que estão no âmbito da regulação desta matéria da reabilitação, como é o caso do Instituto Nacional para a Reabilitação, no sentido de podermos conhecer cada vez melhor a realidade, podermos definir algum tipo de intervenções em função desse melhor conhecimento, sempre na perspetiva de poder dar mais e melhores cuidados de Enfermagem de Reabilitação às nossas populações; para que as populações nos conheçam, porque, efetivamente, as questões da literacia em saúde são ainda problemáticas na medida em que a iliteracia afeta muito as questões de saúde das nossas populações. Procuramos levar ao cidadão muitos dos conhecimentos, a nossa disponibilidade, a nossa proximidade, porque só desta disponibilidade e proximidade é que efetivamente pode resultar visibilidade e reconhecimento para a Enfermagem de Reabilitação.

HN – Simultaneamente, como também já mencionou, desenvolvem a Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação (RPER), criada em 2018, que publicou já 142 artigos científicos. É uma forma de manter os profissionais de saúde atualizados e incentivá-los a estudar e investigar mais? Portugal promove a investigação nesta área?

BR – Relativamente à primeira pergunta, efetivamente, é para manter e promover o conhecimento científico, através, nomeadamente, da divulgação de artigos originais, de investigação, opinião ou de reflexão sobre boas práticas, em que pelo menos um dos autores seja enfermeiro de reabilitação. Criámos a RPER para estar próxima dos enfermeiros de reabilitação, essencialmente. É uma revista num nicho específico dos cuidados em saúde. É bom que nós também consigamos “vender” o que bem fazemos e os bons resultados que temos, e a revista surge nesse sentido: para dar a conhecer os enfermeiros de reabilitação e o seu trabalho.

As políticas editoriais estão ao nível da excelência em termos dos Princípios de Transparência e Boas Práticas em Publicações Académicas. Temos já um significativo volume de artigos científicos publicados. O processo de revisão é duplamente cego. Contamos com mais de 100 revisores registados. Um pormenor muito interessante, não são remunerados, trabalham de forma graciosa e voluntária, o que é fantástico – espelha bem a garra e a motivação dos enfermeiros de reabilitação portugueses. Neste momento, a revista rege-se pela questão da publicação contínua, ahead of print. Todos os artigos são submetidos a software anti-plágio. Está na plataforma OJS/PKP e temos todos os artigos em português e inglês, e são de acesso gratuito, de open access. Neste momento, contamos já com mais de 70 mil acessos. Estamos a evoluir, estamos indexados já em muitos dos indexadores, dos quais destacamos o Google Académico, o RCAAP, a LATINDEX, o DOAJ, a SCIELO. E, de facto, a questão do processo de indexação da SCOPUS, que ocorreu nos finais de novembro, é para nós a “cereja no topo do bolo” e, mais do que um “prémio”, é um incentivo do ponto de vista da responsabilidade e da manutenção da qualidade. Neste momento, em Portugal, só existem três revistas de Enfermagem que estão indexadas à SCOPUS e a RPER é uma delas, o que para nós é muitíssimo gratificante. É uma honra estar neste patamar de qualidade do ponto de vista das publicações científicas na área da saúde.

Relativamente à segunda pergunta, poderia dizer que ainda estamos aquém dos patamares europeus e mundiais do ponto de vista da investigação. Ainda estamos aquém, mas estou convencido de que já muito trabalho foi feito e quero acreditar que, efetivamente, a investigação e a inovação vão ser prioridades das nossas tutelas; das nossas organizações. Penso que ainda estamos aquém do que desejaríamos estar.

HN – Quer terminar com uma mensagem dirigida aos enfermeiros de reabilitação em Portugal?

BR – Seriam duas mensagens que se complementam. Uma tem a ver com o passado e o presente. Devemos honrar todo o passado e presente, tudo aquilo que foi feito em prol da Enfermagem de Reabilitação, porque só honrando o passado e o presente é que conseguimos perspetivar e ter uma capacidade orientadora (visão estratégica) para o futuro. Acreditamos nas reformas que neste momento estão em curso, nas questões da transferência de competências da área da saúde para as autarquias, da reestruturação do SNS com a criação generalizada das ULS, das USF tipo B, dos Centros de Responsabilidade Integrados, mas queremos dizer que estas reestruturações serão tanto mais benéficas e positivas para o cidadão quanto mais o papel do enfermeiro de reabilitação for potenciado na participação de cada uma delas.

A segunda grande mensagem que quero deixar é que, apesar de todas as dificuldades, de todos os constrangimentos, o cidadão tem bem presente a visibilidade e o reconhecimento do enfermeiro de reabilitação. Portanto, nós temos que continuar a ter junto do cidadão esta visibilidade e esta disponibilidade para a resolução dos seus problemas e das suas necessidades em saúde.

Apelamos a que os enfermeiros de reabilitação sejam exemplo e referência, não só para a pessoa que de nós necessita, mas também para a família, para a comunidade. Com este exemplo e referência, estou convencido de que as nossas tutelas irão prestar o devido reconhecimento, o reconhecimento que nós merecemos e desejamos, seja do ponto de vista da nossa carreira, seja do ponto de vista dos nossos conteúdos funcionais, da implementação das nossas competências, do respeito por todo o nosso trabalho na equipa. Todos somos importantes no contexto de uma equipa. É importante que cada um faça o seu trabalho. Estou perfeitamente convencido de que os enfermeiros de reabilitação vão fazer o seu trabalho no sentido de serem exemplo e referência, para termos melhores resultados e mais ganhos em saúde para os portugueses. Não nos podemos esquecer: hoje cuidamos de um desconhecido, amanhã seremos nós a ser cuidados, e queremos ser bem cuidados, queremos ter, essencialmente, uma boa qualidade de vida.

HN/RA

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