
HealthNews (HN) – Considerando que a Rinossinusite Crónica com Polipose Nasal afeta cerca de 2,5% da população portuguesa, quais são os principais fatores de risco para o desenvolvimento desta condição e por que ela é mais comum em pessoas com asma e na faixa etária dos 40 aos 60 anos?
António Lima (AL) – A Rinossinusite Crónica com Polipose Nasal (RSCcPN) afeta aproximadamente 2,5% da população portuguesa, sendo mais prevalente entre os 40 e 60 anos de idade. Este padrão etário reflete a natureza progressiva da inflamação tipo 2 subjacente, que se instala de forma lenta, com remodelação tecidular e alterações na imunorregulação associadas ao envelhecimento, além da acumulação de insultos ambientais ao longo da vida.
AL – É importante distinguir as condições associadas aos fatores de risco verdadeiros da RSCcPN. Entre as doenças associadas, destacam-se a asma eosinofílica, a rinite alérgica persistente e a Doença Respiratória Exacerbada pela Aspirina (DREA/AERD). Estas condições partilham a mesma via fisiopatológica baseada na inflamação tipo 2, mediada predominantemente pelas citocinas IL-4, IL-5 e IL-13. Este tipo de inflamação promove o recrutamento e ativação de eosinófilos, a produção de IgE e a disfunção da barreira epitelial, favorecendo a formação e crescimento dos pólipos nasais. Assim, a asma e a rinite alérgica não são fatores de risco independentes no sentido clássico, mas manifestações paralelas de um processo inflamatório comum que afeta simultaneamente as vias aéreas superiores e inferiores.
Por outro lado, existem fatores de risco verdadeiros para o desenvolvimento de RSCcPN. A predisposição genética é relevante, com história familiar positiva de polipose nasal a aumentar significativamente a probabilidade de desenvolvimento da doença, associada a polimorfismos em genes relacionados com a resposta inflamatória e a função de barreira epitelial. As exposições ambientais crónicas, como o tabagismo e a poluição atmosférica, são também fatores de risco estabelecidos, ao promoverem disfunção epitelial e inflamação persistente. As infeções respiratórias víricas recorrentes desempenham um papel adicional, contribuindo para o dano crónico do epitélio nasal. A disbiose do microbioma nasal, em especial o aumento da colonização por Staphylococcus aureus, está associada à perpetuação da inflamação tipo 2 e à maior severidade da doença. Finalmente, doenças sistémicas como a fibrose quística e a síndrome de Kartagener constituem fatores de risco bem documentados, associando-se a elevados índices de polipose nasal devido a alterações na clearance mucociliar e a infeções crónicas.
HN – Como os sintomas da Rinossinusite Crónica com Polipose Nasal (congestão nasal, perda de olfato, pressão facial, dor de cabeça e rinorreia crónica) impactam concretamente a qualidade de vida diária dos pacientes, especialmente em relação ao sono e saúde mental?
AL – Os sintomas da RSCcPN, nomeadamente a congestão nasal persistente, a perda de olfato (anosmia), a pressão facial, a dor de cabeça e a rinorreia crónica, têm um impacto profundo na qualidade de vida dos pacientes. A congestão nasal grave interfere significativamente com o sono, levando a insónias, despertares frequentes e exacerbação de distúrbios respiratórios do sono como a apneia obstrutiva. A perda de olfato, por sua vez, afeta não apenas o prazer alimentar, mas também a segurança pessoal e o bem-estar emocional. Estudos demonstram que a carga psicológica associada à anosmia e à obstrução nasal crónica inclui elevada prevalência de ansiedade e depressão, conduzindo a isolamento social, redução da produtividade laboral e declínio geral na qualidade de vida, muitas vezes superior ao observado em doenças cardiovasculares crónicas.
HN – Quais são os principais desafios para o diagnóstico correto e precoce desta condição, considerando que os pacientes podem ser atendidos por especialistas de diferentes áreas médicas?
AL – O diagnóstico precoce e correto da RSCcPN é um desafio clínico significativo. A natureza inespecífica dos sintomas iniciais, como congestão nasal e cefaleias, leva frequentemente a diagnósticos erróneos ou atrasados. Além disso, o acesso limitado a técnicas de diagnóstico adequadas, como a endoscopia nasal, em muitos contextos clínicos não especializados, contribui para este atraso. Muitos pacientes são inicialmente avaliados por médicos de família, pneumologistas ou neurologistas antes de serem encaminhados para otorrinolaringologia, prolongando o tempo até ao diagnóstico definitivo. Existe também uma tendência dos próprios pacientes para subvalorizar os sintomas, considerando-os “normais” ou inevitáveis, o que dificulta a intervenção precoce.
HN – De que forma podemos diferenciar a Rinossinusite Crónica com Polipose Nasal de outras condições frequentemente confundidas, como infeções virais, rinite alérgica ou enxaqueca, evitando assim diagnósticos incorretos e tratamentos desnecessários?
AL – Diferenciar a RSCcPN de outras condições que causam sintomas semelhantes é crucial para evitar tratamentos desnecessários. As infeções virais agudas do trato respiratório geralmente resolvem-se espontaneamente em menos de 10 dias e não apresentam pólipos à endoscopia nasal. A rinite alérgica manifesta-se predominantemente por prurido nasal, rinorreia aquosa e resposta favorável a antihistamínicos, sem formação de pólipos visíveis. A enxaqueca, frequentemente confundida devido à dor facial, distingue-se pela natureza pulsátil da dor, presença de fotofobia e fonofobia, e ausência de congestão nasal significativa. A endoscopia nasal e a tomografia computorizada dos seios perinasais são ferramentas diagnósticas muito importantes: a primeira permite a visualização direta de pólipos edemaciados na fossa nasal média e a segunda revela opacificação difusa dos seios nasais com padrões característicos.
HN – Quando a cirurgia se torna necessária para pacientes com Rinossinusite Crónica com Polipose Nasal e quais são as expectativas realistas quanto aos resultados deste procedimento, considerando que a recorrência dos pólipos é possível?
AL – O tratamento cirúrgico da RSCcPN torna-se necessário quando o tratamento médico otimizado, que inclui corticoides nasais e, se indicado, sistémicos, não é suficiente para controlar os sintomas. As indicações para cirurgia incluem obstrução nasal grave refratária com impacto funcional significativo, associado a anosmia persistente, até ao desenvolvimento de complicações orbitárias ou intracranianas. As expectativas realistas em relação à cirurgia devem ser bem esclarecidas com o paciente: enquanto a melhoria dos sintomas obstrutivos e de dor facial ocorre em 80-90% dos casos, a recuperação do olfato é mais variável, e a recorrência dos pólipos é frequente, especialmente em doentes com inflamação tipo 2 ativa, podendo atingir 30-60% em cinco anos após a cirurgia. Assim, a cirurgia deve ser encarada como uma etapa dentro de uma estratégia global de controlo da doença.
HN – Como funcionam os novos medicamentos biológicos no tratamento desta condição e que avanço representam para pacientes que anteriormente dependiam apenas de cirurgias repetidas e corticosteroides orais?
AL – Nos últimos anos, o advento dos medicamentos biológicos revolucionou o tratamento da RSCcPN grave. Fármacos como o dupilumabe, o mepolizumabe e o omalizumabe atuam bloqueando mediadores-chave da inflamação tipo 2, permitindo reduzir o tamanho dos pólipos, melhorar os sintomas de congestão nasal e anosmia, diminuir a necessidade de corticoterapia sistémica e reduzir a frequência de cirurgias repetidas. Estes tratamentos estão indicados em doentes com RSCcPN grave não controlada após tratamento médico e cirúrgico otimizado, particularmente na presença de comorbilidades tipo 2 como a asma grave ou a DREA. A introdução dos biológicos representa uma mudança de paradigma, permitindo abordar diretamente a base imunológica da doença e proporcionando uma melhoria substancial da qualidade de vida dos pacientes a longo prazo.
Concluindo, a Rinossinusite Crónica com Polipose Nasal deve ser entendida como uma manifestação localizada de uma disfunção inflamatória sistémica tipo 2, exigindo uma abordagem multidisciplinar que combina diagnóstico rigoroso, tratamento médico avançado e intervenção cirúrgica, sempre com o objetivo de otimizar o controlo da doença e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Entrevista MMM
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