Uma norma da Direção Geral de Saúde (DGS) sobre a utilização clínica de antipsicóticos está a gerar contestação junto de alguns psiquiatras, que alegam tratar-se de uma medida economicista que pode prejudicar os doentes.
“Esta norma tem em vista um critério economicista. Os doentes respondem de forma diversa aos antipsicóticos e as respostas têm de ser dadas caso a caso. Parte-se do princípio de que um médico é uma pessoa de bem, mas, de qualquer modo, as prescrições podem ser investigadas e fiscalizadas. Isso já existe”, alerta António Palha, em declarações à Lusa.
O professor jubilado, ex-diretor do serviço de psiquiatria do Hospital de S. João (HSJ), no Porto, é um dos profissionais que critica a norma 024/2011 da DGS.
O documento, a que a Lusa teve acesso, refere não existir “evidência que suporte a vantagem dos antipsicóticos de segunda geração […] no tratamento de manutenção da esquizofrenia ou outras perturbações psicóticas”.
É este aspeto, em particular, que desagrada aos profissionais da área, apesar de a Norma estar ainda em fase de “audição pública”, de acordo com o departamento da Qualidade na Saúde da DGS.
António Palha defende que os antipsicóticos novos apresentam diferenças “ao nível da eliminação dos efeitos colaterais”, como as tremuras, visão turva ou obstipação, facto essencial num tratamento prolongado, porque nas doenças crónicas “os efeitos secundários são para toda a vida”.
António Roma Torres, diretor do serviço de Psiquiatria do HSJ, considera que “o critério dos clínicos não pode ser coartado” e também destaca que “os antipsicóticos de segunda geração têm menos efeitos secundários e melhores resultados ao nível dos chamados efeitos negativos, ajudando na ressocialização”.
Na sua perspetiva, “o importante é que os clínicos pensem quando prescrevem, não que sigam meras indicações”, até porque, para “não haver despesismo, os médicos devem ter mais critério e não ficar sem ele”.
Para Soledade Coutinho Varela, psiquiatra no Hospital Magalhães Lemos, no Porto, é “consensual entre as famílias dos doentes e os psiquiatras” que os antipsicóticos de segunda geração são “mais eficazes no tratamento dos chamados sintomas negativos”.
Em causa, nota, estão “o alheamento, o embrutamento afetivo e o empobrecimento psico-patológico”, ou seja, “tudo aquilo que faz que o esquizofrénico morra” psicologicamente.
“Dar antipsicóticos de primeira geração a um doente muito jovem é levar a que estes sintomas apareçam muito mais rapidamente. Há estudos científicos que provam isso. Não é justo que se faça isto a doentes tão graves”, lamenta.
Joaquim Ramos, diretor clínico do “Magalhães Lemos”, admite que os medicamentos de segunda geração “têm menos efeitos secundários e retardam a sintomatologia negativa”, mas considera não existir “diferença assinalável” entre ambos em termos de eficácia clínica.
“Os mais recentes têm menos efeitos secundários, são menos sedativos e possibilitam mais a socialização do doente. Mas os de segunda geração também têm efeitos secundários que é importante não desprezar, nomeadamente ao nível metabólico e até cardíaco”.
Joaquim Ramos afirma que todos os protocolos de utilização de fármacos “têm de ser ajustados caso a caso”, sendo necessário olhar para o problema não apenas na perspetiva do fármaco, mas também “no plano dos cuidados e da equipa que acompanha o doente”.
Para isso, o Magalhães Lemos tem uma “consulta de monitorização terapêutica” para acompanhar os doentes, no sentido de “impedir o reinternamento, que fica sempre mais caro”.
29 de novembro de 2011
@Lusa
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