Healthnews (HN) – Que contributo específico espera a APDH que esta dupla realização – o 10º Congresso Internacional dos Hospitais e a 17ª Edição do Prémio de Boas Práticas em Saúde – traga para a transformação do SNS?
Ana Escoval (AE) – Quando organizamos este tipo de eventos, especialmente o Prémio de Boas Práticas, o nosso objetivo principal é trazer à luz do dia bons exemplos e práticas que, se bem analisados e explorados, podem ser difundidos e replicados. No entanto, é importante notar que não podemos simplesmente pegar num bom projeto e replicá-lo diretamente para outros contextos, pois as populações e situações são diferentes.
O processo deve sempre começar pela disseminação destas boas práticas para que as pessoas compreendam o seu sentido e, posteriormente, possamos aplicá-las em contextos onde haja potencial para obtermos resultados favoráveis. O Prémio de Boas Práticas pode trazer-nos bons exemplos do que se está a fazer em Portugal em várias áreas.
Além disso, consideramos fundamental reconhecer e acarinhar as pessoas e o seu trabalho. Esperamos que, como nos anos anteriores, o Prémio de Boas Práticas consiga reconhecer o bom trabalho dos profissionais e trazê-lo para a ribalta. Refira-se que, muitas vezes, estes projetos são desenvolvidos simultaneamente com outras atividades, representando um trabalho adicional.
Ao prepararem-se para a apresentação do prémio, os profissionais têm que estruturar bem o projeto, o que os obriga a focar-se nas metodologias subjacentes e a transmitir as suas ideias da forma mais simplificada possível. Isto permite-lhes, não só apresentar o projeto, mas também demonstrar a sua boa execução e, na fase final, “vender” o projeto de forma eficaz.
HN -Como pode a discussão sobre a captação e retenção de talento na área da saúde contribuir para resolver os atuais desafios de recursos humanos no setor?
AE –Esta discussão é de grande importância e, na construção do programa do nosso Congresso, procurámos abordar os problemas-chave que mais impactam a sustentabilidade do sistema, os resultados em saúde e a imagem que o Serviço Nacional de Saúde tem perante as pessoas e os profissionais.
Na mesa dedicada a este tema, temos contribuições importantes. Por exemplo, contamos com a participação de Ana Sofia Ferreira, Consultora Sénior do Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva (PlanAPP), que apresentará um trabalho de investigação sobre recursos humanos na administração pública e na saúde. Este estudo inclui resultados interessantes sobre burnout, comparando hospitais de diferentes dimensões e analisando como o trabalho na urgência impacta a vida e a saúde mental dos profissionais.
Também teremos a participação de Daniel Ferro, Administrador Hospitalar na ULS de S. José que realizou um estudo – que irá apresentar no Congresso – sobre a retenção de médicos no Serviço Nacional de Saúde e o papel das lideranças intermédias. O seu trabalho revela que uma das razões pelas quais os profissionais abandonam o SNS está relacionada com a má relação com o diretor de serviço ou a falta de reconhecimento do seu carisma.
Além disso, contaremos com a experiência de Luís Miguel Gouveia, Presidente do Conselho de Administração da ULS Amadora/Sintra, que apresentará as estratégias utilizadas numa Unidade Local de Saúde para reter profissionais.
Esta abordagem multifacetada permite-nos analisar o problema da captação e retenção de talento de várias perspetivas, desde estudos macro até casos concretos de sucesso, fornecendo insights valiosos para enfrentar os desafios atuais de recursos humanos no setor da saúde.
HN -Qual o papel que a cooperação entre os setores público e privado pode ter na sustentabilidade financeira do SNS?
AE – Quando se aborda esse tema, é importante considerar a dimensão do nosso país. Portugal tem cerca de 10 milhões de habitantes e um Serviço Nacional de Saúde. Ao longo dos anos também permitimos o crescimento do setor privado e social em algumas áreas, que por vezes são concorrenciais com o público. Numa visão de sustentabilidade, num espaço tão pequeno, a concorrência pode não ser a fórmula mágica para melhorar resultados.
Em vez disso, acredito que se conseguirmos trabalhar efetivamente em cooperação, podemos evitar a canibalização do sistema. Não estou a falar de projetos privados ou sociais que prestam cuidados em áreas específicas, mas sim dos verdadeiros problemas da saúde que encontram resposta nos cuidados de saúde primários, na prevenção e promoção da saúde, e nas situações de grande complexidade.
Um exemplo concreto é a duplicação desnecessária de exames. Atualmente, uma pessoa pode realizar exames no SNS, no privado ou através de um subsistema ou seguro. Isto leva a uma duplicação de meios complementares de diagnóstico, muitas vezes além do necessário.
Para melhorar a eficiência e sustentabilidade, precisamos de um plano individual de cuidados para cada pessoa, acessível a qualquer médico em situações de emergência. Isto evitaria a repetição desnecessária de exames e procedimentos, reduzindo custos e melhorando a qualidade dos cuidados.
Além disso, é crucial haver uma reconciliação terapêutica, especialmente para doentes com múltiplas doenças crónicas, para evitar a toma de medicamentos duplicados ou incompatíveis.
A cooperação entre setores deve focar-se na racionalização dos recursos, na partilha de informação e na coordenação de cuidados, sempre com o objetivo de melhorar a eficiência do sistema e a qualidade dos cuidados prestados aos cidadãos.
HN -Como podem as boas práticas em gestão de resíduos hospitalares e controlo de infeções contribuir para hospitais mais sustentáveis?
AE – A gestão de resíduos hospitalares e o controlo de infeções são temas cruciais para a sustentabilidade dos hospitais e do sistema de saúde em geral. Estes tópicos estão intimamente ligados à segurança do doente e à eficiência operacional das unidades de saúde.
Em primeiro lugar, é importante reconhecer que o uso inadequado de antibióticos é atualmente um dos principais problemas de saúde pública. O Programa Nacional para a Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA), que vai até 2026, inclui entre os seus pilares a prevenção e controlo de infeções e resistências aos antimicrobianos.
As boas práticas nesta área podem contribuir significativamente para hospitais mais sustentáveis de várias formas:
Redução de custos: uma gestão eficiente de resíduos e um controlo eficaz de infeções podem reduzir os custos associados ao tratamento de infeções hospitalares e à gestão de resíduos perigosos;
Melhoria da qualidade dos cuidados: ao reduzir as infeções associadas aos cuidados de saúde, melhoramos os resultados para os pacientes, reduzimos o tempo de internamento e aumentamos a satisfação dos utentes;
Proteção ambiental: uma gestão adequada dos resíduos hospitalares minimiza o impacto ambiental das unidades de saúde;
Cumprimento regulatório: adotar boas práticas nestas áreas ajuda os hospitais a cumprirem as normas e regulamentos nacionais e internacionais;
Eficiência operacional: processos otimizados de gestão de resíduos e controlo de infeções podem melhorar a eficiência geral do hospital.
É importante que estas boas práticas sejam discutidas, implementadas e constantemente avaliadas. A partilha de experiências bem-sucedidas entre diferentes unidades de saúde pode acelerar a adoção de práticas mais sustentáveis em todo o sistema de saúde.
HN -Que impacto concreto tiveram as edições anteriores do Prémio de Boas Práticas em Saúde na modernização e melhoria dos cuidados prestados em Portugal?
AE – As edições anteriores do Prémio de Boas Práticas em Saúde têm tido um impacto significativo na modernização e melhoria dos cuidados de saúde em Portugal. Vários projetos premiados foram posteriormente replicados em outros contextos, contribuindo para melhorias tangíveis no sistema de saúde.
Um exemplo concreto é um projeto apresentado há alguns anos pelo hospital de Setúbal na área de oftalmologia. Este projeto conseguiu reduzir significativamente os tempos de espera através da introdução de técnicos de optometria para realizar uma primeira avaliação antes da consulta com o oftalmologista. Isto permitiu uma triagem mais eficiente, assegurando que apenas os casos que realmente necessitavam de atenção especializada chegavam ao oftalmologista. Este projeto foi posteriormente replicado em outros contextos, demonstrando o potencial de disseminação das boas práticas identificadas através do prémio.
Outro exemplo notável é o projeto de hospitalização domiciliária. Embora já fosse uma prática em alguns contextos, o facto de ter sido premiado e, consequentemente, ter recebido atenção mediática e reconhecimento, contribuiu para a sua expansão. Este reconhecimento não só motivou os profissionais envolvidos a continuarem o seu bom trabalho, mas também inspirou outros a considerarem a implementação de práticas semelhantes nas suas próprias instituições.
É importante notar que o impacto destes projetos vai muito além da sua implementação inicial. O processo de apresentação e discussão dos projetos no âmbito do Prémio de Boas Práticas em Saúde permite um escrutínio valioso e promove a reflexão entre os profissionais de saúde sobre como podem adaptar e implementar estas boas práticas nos seus próprios contextos.
No entanto, para maximizar o impacto destes projetos, é necessário um maior apoio ao nível da decisão política e do financiamento. Por exemplo, a hospitalização domiciliária ganhou uma dimensão significativa quando o próprio Ministério da Saúde reconheceu o seu valor e decidiu apostar nela a nível nacional.
Em suma, o Prémio de Boas Práticas em Saúde tem servido como um catalisador importante para a inovação e melhoria no sistema de saúde português, promovendo a partilha de conhecimentos e incentivando a replicação de práticas bem-sucedidas. No entanto, para maximizar o seu impacto, é crucial que haja um maior apoio institucional e político para a implementação e disseminação destas boas práticas a nível nacional.
Entrevista de MMM
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