A legislação portuguesa é clara ao definir que todas as grávidas têm direito a consultas de vigilância da gravidez gratuitas, sendo dever dos serviços de saúde assegurar a atribuição de um médico de família ou, em caso de impossibilidade, prevê o acesso prioritário das grávidas à prestação de cuidados de saúde. Esta foi uma ideação de tempos idos, em que as mulheres grávidas, perante o seu carácter prioritário (não por terem médico de família ou um enfermeiro parteiro atribuído), ainda conseguiam usufruir do seu direito à vigilância da gravidez, de forma gratuita, em tempo útil e por profissionais habilitados, e que colocaram Portugal entre os países da Europa com melhores indicadores de saúde materno-infantil.

No entanto, a falta considerável de equipas de família (médico + enfermeiro), nos cuidados de saúde primários, sendo que existe mais de 1 milhão de utentes residentes na grande área de Lisboa e Vale do Tejo sem médico atribuído, limita de forma significativa o acesso de cerca de 270 mil mulheres, em idade fértil, aos cuidados de saúde. O problema agrava-se quando na tentativa de busca por uma resposta, as consultas e urgências hospitalares são inundadas por uma afluência injustificada de mulheres grávidas ou com questões ginecológicas, que perdidas no sistema veem-se obrigadas a recorrer ao local que ainda tem por obrigação recebê-las. Mas até os cuidados diferenciados (hospitalares) que padecem do mesmo problema, falta de médicos obstetras para assegurar as escalas de urgência, são obrigados a encerrar de forma alternada, deixando as mulheres sem alternativa para vigiar a sua saúde sexual e reprodutiva.

Nos dias que correm os direitos das grávidas à vigilância da gravidez, à escolha da maternidade onde desejam parir, à escolha de cuidador, bem como o direito a consultas de planeamento familiar ou rastreios relacionados com a saúde sexual e reprodutiva não passam de uma utopia para muitas mulheres. Este problema tem-se arrastado e agravado de forma alarmante, colocando em risco a saúde das mulheres, grávidas, bebés e da população em geral, para o qual urge criar soluções.

Ora num contexto em que a oferta de cuidados de saúde obstétricos públicos é escassa, principalmente na área da grande Lisboa e Vale do Tejo, e a procura contraria o retrato do restante Portugal, pois esta é a única região do país em que se observa um aumento da taxa de natalidade, o problema deflagra com custos irremediáveis para mulheres/famílias e sociedade. Os primeiros sinais deste flagelo já começam a emergir, nomeadamente através do aumento da mortalidade materna, aumento da taxa de cesarianas ou até mesmo à perda de confiança no SNS, sendo que muitas mulheres, com capacidade financeira, optam por recorrer a serviços privados, levando a uma quebra da equidade no acesso a um valor universal, a saúde.

A solução proposta para um problema desta dimensão é agravar o fecho das maternidades e privilegiar a promiscuidade com o setor privado, transferindo grávidas das maternidades do SNS quando estas não tiverem mais capacidade. Não estaremos a olhar para o problema com óculos de curto alcance? Qual o objetivo destas medidas, acabar com a obstetrícia no SNS, enfatizando os cuidados de saúde privados? E as mulheres que infelizmente não têm condições financeiras, ver-se-ão privadas de cuidados básicos de saúde?

O SNS necessita ser enrobustecido, com melhores condições de trabalho e capacidade financeira de contratação de profissionais, este é um facto inegável. Mas também é um facto inegável que temos recursos existentes no nosso SNS disponíveis e mal aproveitados, por gestões pouco transparentes ou questões que não colocam a saúde e interesse público em primeiro lugar.

É fácil dizer que o sistema está mal construído, mal aproveitado, mal gerido, mas como solucionar este problema? A falta de acesso aos cuidados de saúde em obstetrícia/ginecologia tem uma resposta, clara, objetiva e tão competente como os médicos de família, essa resposta assenta nos enfermeiros parteiros. Estes enfermeiros reconhecidos a nível europeu, detêm competências para vigiar gravidezes de baixo risco, revisões de puerpérios não complicados, assistir, conduzir e monitorizar trabalhos de partos, culminando na realização de partos eutócicos (normais), realizar consultas de planeamento familiar e climatério (menopausa), aconselhar sobre métodos contracetivos, incluindo colocação e remoção dos de longa duração (implantes subcutâneos e dispositivos intrauterinos), apoio na amamentação, realização de rastreios da saúde reprodutiva, entre outras.

A implementação de uma medida que instituísse o aproveitamento dos enfermeiros parteiros na totalidade das suas competências, ou seja, dando assistência a mulheres/famílias em situações fisiológicas e expectáveis do seu ciclo reprodutivo, permitiria libertar os médicos de família para assistir a casos de patologia aguda ou crónica agudizada, diminuiria o afluxo de mulheres às urgências hospitalares, pois haveria mais vagas de consulta de urgência para os médicos de família, não sobrecarregava os hospitais, permitindo-lhes dar resposta atempada aos encaminhamentos das grávidas após as 36 semanas ou situações de patologia obstétrica ou ginecológica de alto risco, sem comprometer a qualidade e excelência da assistência à população.

Do que estamos à espera? O que falta para mudar? Os enfermeiros parteiros estão prontos para dar resposta à população portuguesa! Ousemos pensar mais além e coragem para instituir as medidas necessárias, pelo bem das nossas gerações futuras!