A tendência de uma progressiva remodelação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) eleva a relevância à volta do tema da descentralização e aumento da autonomia das instituições. Estas visam, por um lado, corresponder às necessidades locais e individuais e dificuldades de acesso dos utentes/clientes/consumidores a cuidados de saúde de elevada qualidade e, por outro, possibilitar a adoção de medidas para o aumento da satisfação, redução de absentismo, redução da intenção de rotatividade e melhoria do desempenho dos profissionais de saúde.

Nesse sentido é cada vez mais sonante o apelo ao desenvolvimento e operacionalização de políticas de organização institucional, valorização profissional e que favoreçam acordos entre setores público, privado e social que serão dependentes de estratégias que permitam ao SNS alocar eficientemente os seus recursos. Tal relevância enquadra-se no paradigma atual de prestação de serviços públicos e que encontra grande parte das suas raízes nas teorias institucional e da gestão em rede (“network”).

O papel do Estado é o de promover a competitividade entre os membros integrantes da rede de prestação de cuidados de saúde,a nível Público, Social e Privado, sendo que a ênfase de atuação da Administração pública está nos processos e outcomes interorganizacionais, elevando o papel do cidadão como agente participante na decisão (1, 2, 3, 4). Realça-se, portanto, o Estado plural, em que uma multiplicidade de atores interdependentes contribui para a prestação de serviços de saúde e em que processos múltiplos informam o sistema de decisão política, fragmentando o Estado centralizado (1).

Com particular presença no setor privado de cuidados de saúde, serviços de Fisioterapia Músculo-Esquelética poderão ser candidatos a uma importante representatividade, direta ou indireta, nesta “network” de prestação de cuidados de saúde, que deverá logicamente ser concretizada de acordo com critérios fundamentais. Critérios estes que representarão um desafio à realidade global destes serviços.
É-nos, de facto, difícil imaginar a operacionalização destes processos sem a inclusão de um conjunto de medidas que nos parecem aplicáveis de forma relativamente imediata:
• Dada a natureza fragmentada da prestação de serviços públicos e do financiamento directo ou indirecto de serviços de saúde através do orçamento estado dedicado à saúde, exige-se cada vez mais transparência sobre os procedimentos das instituições. Realçamos a importância do sistema SINAS – Sistema Nacional de Avaliação em Saúde – que é um sistema de avaliação e comparativo (benchmarking) da qualidade global dos serviços de saúde, em Portugal continental, desenvolvido pela Entidade Reguladora da Saúde – ERS – que permite a avaliação dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde em diversas dimensões da qualidade, de forma a poder disponibilizar dados úteis, rigorosos e transparentes sobre essas instituições, aumentando o acesso dos cidadãos à informação sobre prestadores de serviços de saúde dos sectores Público, Privado e Social. O acesso à informação é um importante direito dos cidadãos que também ajuda a facilitar a escolha pública. Neste sentido sugerimos a criação de uma equipa de fisioterapeutas para a realização de uma plataforma de benchmarking da qualidade global da Fisioterapia e dos serviços de Medicina Física e de Reabilitação, assim como em outros contextos de prestação destes cuidados, em entidades públicas e privadas.

• No sentido da obrigação do SNS alocar eficientemente os seus recursos, será fundamental a consolidação da utilização de avaliações económicas em saúde entre as quais apontámos a Análise de custo-efetividade/Análise de custo-benefício, em que se identifica a probabilidade de uma intervenção ser custo-efetiva através do “Willingness to pay” (WTP) por QALY (anos de vida ajustados pela qualidade), obtido através da relação com o Produto interno Bruto (PIB) per capita do País. Este tipo de avaliação é muito relevante no sentido de realçar a integração dos utentes/clientes/consumidores na tomada de decisão (5). A importância deste compromisso profissional com o custo-benefício foi recentemente sublinhada pelo Bastonário da Ordem dos Fisioterapeutas (12). A equipa de fisioterapeutas, incluída na sugestão anterior, teria também o papel de promover e reunir esforços para a criação deste tipo de estudos na população portuguesa.

• Na intersecção dos dois pontos anteriores elevamos a importância da adaptação de guias de orientação clinica (guidelines) internacionais para o contexto nacional, bem como da adopção de indicadores de qualidade segundo as mesmas, pela sua custo-efetividade e contributo para diminuição da utilização de serviços de saúde, diminuindo assim a sobrecarga imposta ao SNS. (6)

• Como exemplo de modelos de cuidados, realçamos os modelos de cuidados estratificados de acordo com o perfil de risco do desenvolvimento de incapacidade persistente associada à Lombalgia, a condição músculo-esquelética mais prevalente na população nacional e a principal causa de anos perdidos por incapacidade a nível global. Estes modelos revelam-se relativamente promissores no que respeita à sua eficiência e recomendações à sua utilização são expressas em guidelines internacionais (7, 8, 9, 10, 14). A categorização, segundo modelos de prognóstico estabelecidos e validados, do risco do utente desenvolver trajetórias de incapacidade persistente, providencia ao profissional de saúde uma possibilidade de aproximação à resposta a uma questão fundamental do dia-a-dia clínico “quem beneficia do quê?” (individualização), para além de permitir uma adequada alocação de recursos em estratégias de intervenção ajustadas e realmente custo-efetivas.

A linha de investigação destes modelos de cuidados estratificados tem inclusivamente replicação na população nacional no contexto dos cuidados de saúde primários – Projeto SPLIT, “desenvolvido em parceria entre um grupo de investigadores e clínicos da Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal, Nova Medical School/ Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, através do Agrupamento de Centros de Saúde da Arrábida, e co-financiado pelo Programa Operacional Regional de Lisboa, na componente FEDER, e pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, na componente nacional – OE.” (11)

Reflexão
Políticas de descentralização em saúde definirão critérios que constituirão um desafio para os sistemas de cuidados em condições músculo-esqueléticas, caracterizadas globalmente pelo seu baixo valor. Abordagens inefectivas, com potenciais riscos e que representam custo significativamente avultado para a sociedade e para o SNS são o prato do dia (15).

A Fisioterapia, nesta área, não foge à regra – uma percentagem progressivamente maior de profissionais adota intervenções de baixo valor ou de valor desconhecido, tendência esta que tem vindo a piorar ao longo dos últimos 30 anos (13).

No contexto nacional a tendência ou se mantém ou se agrava, e a este problema acresce a inexistência de avaliações económicas da intervenção da Fisioterapia em condições músculo-esqueléticas e da qualidade dos cuidados prestados, porque na realidade não existem dados consistentes a nível nacional.

Para que haja uma apropriada alocação de recursos (naturalmente finitos) em intervenções realmente custo-benéficas/efetivas, em serviço dos superiores interesses do utente, e para que seja possível melhorar as condições de trabalho dos profissionais de saúde, diminuindo absentismo e aumentando a atração pelo SNS, deve-se exigir a mesma transparência e indicadores clínicos e processuais a todos os agentes que direta ou indiretamente estão incluídos na “network” de prestação de serviços de saúde.

Só com avaliações económicas na saúde, aumento da transparência, da informação de qualidade e desenvolvimento e implementação de ferramentas de benchmarking transversais de avaliação equitativa dos sectores Público, Privado e Social, será possível providenciar um sistema eficiente e focado no cidadão, na perspectiva da co-produção de serviços públicos e assente nos valores que o SNS defende.

Todos dependemos do Serviço Nacional de Saúde, devendo o esforço ser global e bem informado.

Referências
1 – Osborne, Stephen P. (2010). “Introduction – The (New) Public Governance: a suitable case
for treatment?”, Stephen P. Osborne (ed.), The New Public Governance? – Emerging
Perspectives on the theory and practice of public governance, Routledge, London and New York,
pp. 1-16.
2 – Xu, R., Sun, Q., & Si, W. (2015). The Third Wave of Public Administration: The New Public
Governance. Canadian Social Science, 11, 11-21.
3- João Abreu de Faria Bilhim, «Nova governação pública e meritocracia », Sociologia,
Problemas e Práticas, 84 | 2017, 9-25.
4- Wiesel, F., & Modell, S. (2014). From New Public Management to New Public Governance?
Hybridization and Implications for Public Sector Consumerism. ERN: Public Administration
(Topic).

5 – Pryymachenko Y, Wilson R, Sharma S, Pathak A, Abbott JH. Are manual therapy or booster
sessions worthwhile in addition to exercise therapy for knee osteoarthritis: Economic evaluation
and 2-year follow-up of a randomized controlled trial. Musculoskelet Sci Pract. 2021
Dec;56:102439. doi: 10.1016/j.msksp.2021.102439. Epub 2021 Aug 5. PMID: 34375855.
6- Fillipo R, Pruka K, Carvalho M, Horn ME, Moore J, Ramger B, Clewley D. Does the
implementation of clinical practice guidelines for low back and neck pain by physical therapists
improve patient outcomes? A systematic review. Implement Sci Commun. 2022 Jun 3;3(1):57.
doi: 10.1186/s43058-022-00305-2. PMID: 35659117; PMCID: PMC9164354.
7- Whitehurst DG, Bryan S, Lewis M, Hill J, Hay EM. Exploring the cost-utility of stratified primary
care management for low back pain compared with current best practice within risk-defined
subgroups. Ann Rheum Dis. 2012 Nov;71(11):1796-802. doi: 10.1136/annrheumdis-2011-
200731. Epub 2012 Apr 4. PMID: 22492783; PMCID: PMC3465856.
8- Hill JC, Whitehurst DG, Lewis M, Bryan S, Dunn KM, Foster NE, Konstantinou K, Main CJ,
Mason E, Somerville S, Sowden G, Vohora K, Hay EM. Comparison of stratified primary care
management for low back pain with current best practice (STarT Back): a randomised controlled
trial. Lancet. 2011 Oct 29;378(9802):1560-71. doi: 10.1016/S0140-6736(11)60937-9. Epub 2011
Sep 28. PMID: 21963002; PMCID: PMC3208163.
9- Morsø L, Olsen Rose K, Schiøttz-Christensen B, Sowden G, Søndergaard J, Christiansen DH.
Effectiveness of stratified treatment for back pain in Danish primary care: A randomized
controlled trial. Eur J Pain. 2021 Oct;25(9):2020-2038. doi: 10.1002/ejp.1818. Epub 2021 Jul 2.
PMID: 34101953; PMCID: PMC8518659.
10- Foster NE, Mullis R, Hill JC, Lewis M, Whitehurst DG, Doyle C, Konstantinou K, Main C,
Somerville S, Sowden G, Wathall S, Young J, Hay EM; IMPaCT Back Study team. Effect of
stratified care for low back pain in family practice (IMPaCT Back): a prospective population-based
sequential comparison. Ann Fam Med. 2014 Mar-Apr;12(2):102-11. doi: 10.1370/afm.1625.
PMID: 24615305; PMCID: PMC3948756.
11- https://split.ips.pt/projeto-split
12- https://omirante.pt/entrevista/fisioterapeutas-ainda-sao-confundidos-com-endireitas-mas-
bastonario-quer-dar-novo-rumo-a-

profissao/?fbclid=IwAR3pWKHPWhgkgvJ3HV8YSLF8lMnMOPQbqV5tUg2jXHZnaHTlPz28pJY4
Qag
13- Zadro JR, Ferreira G. Has physical therapists' management of musculoskeletal conditions
improved over time? Braz J Phys Ther. 2020 Sep-Oct;24(5):458-462. doi:
10.1016/j.bjpt.2020.04.002. Epub 2020 May 5. PMID: 32387047; PMCID: PMC7563797.
14- Low back pain and sciatica in over 16s: assessment and management. London: National
Institute for Health and Care Excellence (NICE); 2020 Dec 11. (NICE Guideline, No. 59.)
15- Gomes LA, Cruz EB, Henriques AR, et al. Patients’ self-reported medical care for low back
pain: a nationwide population-based study. BMJ Open 2022;12:e060966. doi: 10.1136/bmjopen-
2022-060966