Numa situação política governativa muito adversa para os médicos há largos anos, era indispensável manter uma dinâmica de convergência e de unidade das organizações médicas, no rigoroso respeito pelas competências de cada uma e dos seus processos próprios de tomada de decisão.

Aquilo a que temos assistido nos últimos dois anos é precisamente o oposto, com atitudes de competição reivindicativa e negocial, bem como a proliferação de condutas sectárias e divisionistas que têm conduzido a um enfraquecimento das movimentações médicas em defesa dos seus justos interesses e direitos profissionais.

As leituras que o Poder político faz em cada momento sobre as forças em presença e a da sua capacidade e vigor reivindicativo determinam o grau de agressividade das suas medidas políticas e laborais antimédicas.

Não é por acaso que o anterior governo publicou legislação laboral relativa aos médicos sem prévia negociação sindical, como a legislação obriga, como foi o exemplo da dedicação plena, e fez aprovar com a sua maioria absoluta uma ofensiva sem paralelo para a destruição dos Estatutos da Ordem dos Médicos nos seus aspetos fulcrais do exercício da profissão médica.

Perante o cenário bem patente de divisão, o anterior governo tomou medidas que num contexto diferente suscitariam de imediato um enérgico processo de luta que as condenariam ao fracasso.

Mas, dramaticamente, nada aconteceu e a mera algazarra verbal manteve-se sem quaisquer resultados negociais.

Os processos de constituição legal das organizações sindicais médicas surgiram descentralizadamente após a então Comissão Constitucional ter retirado as funções sindicais à Ordem dos Médicos, face à nova realidade do regime democrático nascente com o 25 de Abril de 1974, dado que essa acumulação de funções era uma herança corporativa do regime ditatorial.

O relator do parecer aprovado pela Comissão Constitucional em 5/1/1978 foi o Prof. Dr. Jorge Miranda.

Assim, em 1979, foram criados o Sindicato dos Médicos da Zona Sul, o Sindicato dos Médicos da Zona Centro e o Sindicato Independente dos Médicos. Em 1982 foi criado o Sindicato dos Médicos do Norte.

Em 1988, foi constituída a FNAM como estrutura de coordenação nacional dos 3 sindicatos regionais.

Tendo em conta que os referidos sindicatos regionais surgiram a partir de dinâmicas próprias e das suas particularidades regionais, a FNAM sempre se assumiu como um espaço de liberdade e de livre opinião, onde era absolutamente necessário assegurar uma ampla discussão dos problemas para harmonizar posições, de modo a evitar situações fraturantes.

Nesse sentido, o número de dirigentes de cada zona no conselho nacional é igual independentemente do número de associados de cada sindicato, de modo a que o Sindicato dos Médicos da Zona Sul, que tem o maior número de associados, não hegemonizasse o órgão dirigente.

Além disto, na base de um acordo entre os três sindicatos, a presidência é rotativa entre eles.

Cada sindicato regional tem os seus estatutos e as suas eleições para os seus corpos dirigentes. Os dirigentes da FNAM são eleitos num congresso pelos delegados de cada sindicato regional.

Ao longo de todos estes anos foram sempre desenvolvidos todos os equilíbrios possíveis para assegurar a pluralidade de opiniões e de perspetivas sobre os problemas colocados aos médicos, bem como impedir qualquer ingerência ou instrumentalização político-partidária.

Desde há dois anos, elementos vassalos de dois aparelhos partidários tomaram de assalto o Sindicato dos Médicos da Zona Sul e a própria FNAM, passando a gerir as movimentações reivindicativas dos médicos em função dos interesses e da agenda política desses aparelhos, assumindo até a promoção dos seus principais dirigentes com convites em lugares de destaque nas várias concentrações de médicos.

A nível dos seus órgãos dirigentes, todas as opiniões diferentes passaram a ser objeto de discriminação, não tendo acesso aos documentos negociais e sendo afastados da discussão das contrapropostas negociais.

Aquilo que passa nas reuniões com o ministério ou com outras entidades não é objeto de qualquer informação interna. Tudo fica restrito ao pequeno comité dos dois aparelhos.

Chegaram ao cúmulo de impedir que um dos dirigentes, que possui alguma limitação na sua mobilidade, estacionasse o carro num dos 5 lugares que o Sindicato dos Médicos da Zona Sul possui no edifício da sua sede, quando o seu acesso exterior é através de 2 escadarias com corrimão só de um lado.

Aquilo a que temos assistimos consiste na adoção de uma forma de intervenção baseada na contestação pela contestação, sem a apresentação de quaisquer documentos negociais estratégicos e numa lógica negocial maximalista do “tudo ou nada”, sabendo de antemão que o tudo leva ao nada, mas obtendo desta situação o pretexto para continuar a confrontação política com o governo, seja ele qual for.

Por exemplo, nunca se ouviu qualquer exigência negocial sobre a imperiosa necessidade de se revogar a legislação do SIADAP, que tem fortes implicações salariais e que nos seus 15 anos em vigor nunca foi possível aplicar ao trabalho médico.

No entanto, não sendo exequível a sua aplicação aos médicos, foi sendo mantida pelos sucessivos governos, porque nestes anos todos estes profissionais foram esbulhados em milhares de euros, constituindo o fator mais marcante na degradação da nossa massa salarial.

E nesta aridez reivindicativa, os vassalos dos aparelhos partidários no Sindicato dos Médicos da Zona Sul optam por condutas golpistas para tentar alterar os estatutos à revelia dos seus artigos e adiam as eleições sem data e que já se deveriam ter realizado no passado mês de Maio.

Entretanto, foi conhecido um documento interno da FNAM da autoria de um dos seus sindicatos regionais onde era contestada a gestão ditatorial e narcisista do seu funcionamento.

Ora, aquilo que se seguiu foi o aparecimento de um comunicando negando a existência desse documento o que constituiu a humilhação dos seus autores, dado que dezenas de dirigentes o receberam por mail, bem como um mês antes foi um facto indesmentível que os representantes do Sindicatos dos Médicos da Zona Centro abandonaram a delegação da FNAM em plenas instalações ministeriais antes de começar a última reunião com a ministra da saúde, além de que esta ocorrência já tinha motivado num dos dias seguintes a um mail com a sua descrição para todos os dirigentes dessa estrutura sindical.

É da história das organizações políticas que à medida que se enfraquecem, mais se radicalizam e se tornam profundamente sectárias.

O sectarismo é uma conduta que diz respeito a um tipo de intervenção política e não a um escasso número de aderentes.

Os sectários confundem a firmeza de ideias com a agressividade verbal.

Uma das características nucleares do movimento associativo médico ao longo de largas décadas foi sempre tomar a iniciativa de trazer à discussão pública os problemas que atingem os seus profissionais. E com isso, saiu sempre mais fortalecido.

Cada componente do movimento associativo médico só pode exercer eficazmente as suas funções de defesa dos seus profissionais se mantiver uma rigorosa democraticidade do seu funcionamento e se não escamotear as suas falhas e ocorrências internas.

A questão que se coloca em termos práticos é se alguns coletivos de associados estão na disposição de continuarem a ser instrumentalizados por aparelhos partidários e a não obterem quaisquer resultados negociais.

Se não reagirem, vão continuar a assistir à contínua degradação da sua dignidade e do exercício da sua profissão.