
A gravidez causa varizes?
Talvez seja atrevido estabelecer uma relação tão unívoca, mas um facto está há muito estabelecido: as mulheres que já foram mães têm uma probabilidade maior de sofrerem da doença, e essa probabilidade vai aumentando com o número de gravidezes ocorridas.
Não terá grande interesse determo-nos nos detalhes que explicam esta associação, mas entram em jogo alterações hormonais. O ambiente hormonal que se estabelece durante a gravidez leva a um maior “relaxamento” da parede das veias e aumenta a laxidão dos tecidos. Não espanta que assim seja: o corpo feminino tem que se preparar para acomodar bebé e placenta, e o canal de parto tem que ser preparado para o parto.
As varizes que surgem e / ou que se agravam durante uma gestação, fazem-no maioritariamente durante os primeiros 3 meses (ao contrário do que poderíamos intuitivamente pensar) - isto tem uma implicação prática: as medidas preventivas que se decidirem implementar, nomeadamente a utilização de meias de compressão elástica, devem ser iniciadas logo que a gravidez é conhecida.
Há também uma curiosidade: se se recordarem, dissemos acima que uma vez estabelecidas, as varizes são uma condição progressiva. O desaparecimento ou melhoria espontâneos nunca ocorrem. Pois bem, eis a única excepção: as varizes que surgem durante a gravidez.
Ocorrem mais tromboflebites durante a gravidez?
Sim, sem dúvida. A gravidez, principalmente devido às tais alterações hormonais, é um chamado estado protrombótico (em que a coagulação do sangue é mais provável). Quando alguém tem varizes, é precisamente quase sempre nelas que se dão as tromboflebites da gravidez (varicoflebites, como vimos). Estas tromboflebites representam sempre algum transtorno importante. Pensemos no quadro clínico descrevemos no capítulo (...). Dor, calor, rubor, tumefaccão ao longo da veia atingida. Qualquer percalço de saúde que ocorra durante uma gravidez é inevitavelmente agigantado pela grávida. Trata-se de um período com uma dose variável mas inevitável de angústias e incertezas, tantas vezes com receio inconfessado de que o problema possa reflectir-se na saúde quem está para nascer. São frequentemente dolorosas, e a gravidez condiciona o tipo de tratamento que tem que ser administrado. Os anticoagulantes orais, de uso muito prático (sobretudo os de última geração) usados frequentemente no tratamento da tromboflebites que acontecem fora da gravidez, estão contra-indicados nesta. Resultado prático: a grávida acaba frequentemente medicada com anticoagulantes injectáveis (pelo menos uma injecção subcutânea por dia, até ao parto). É tudo menos agradável.
Tenho varizes, e agora? Devo tratá-las antes ou depois da(s) gravidez(es)?
Não há uma resposta que se adapte a todas as situações. Sob o ponto de vista formal da decisão é correcto pensar que se existirem varizes com indicação para tratamento, será sempre mais seguro sob o ponto de vista médico– recordemo-nos do risco de tromboflebites associado a cada uma das 2 situações (gravidez e varizes). Como tudo em medicina, associar 2 factores de risco para uma situação nunca é boa ideia. Frequentemente o risco resultante supera mesmo a soma dos dois riscos, pois existe interacção entre eles. Mas como em tudo, convém que as decisões não sejam tomadas com base em formalismos rígidos. Vejamos: “ter varizes” não é uma condição homogénea universal. Há varizes e varizes, como vimos. Do mesmo modo “planear engravidar” é algo que pode corresponder a um espectro de situações muito distintas. Duas situações extremas em que me não parece difícil aconselhar:
- Doença muito limitada, ou seja, varizes pouco volumosas e extensas, que representam assim um risco de tromboflebite dificilmente quantificável, mas seguramente não muito significativo, em alguém com planos para uma gravidez muito concretos e a curto prazo. Aqui, pode haver vantagem em não operar antes da gravidez. Reparem: também aqui se aplica a regra “sem vantagem, provavelmente sem prejuízo” – vantagem clínica em esperar nunca haverá, mas o incremento de conforto e segurança conseguidos com uma cirurgia prévia à gravidez poderá ser mais teórico do que efectivo. E vantagem em esperar, haverá? Eventualmente, mas apenas sob o ponto de vista logístico e / ou económico. Perante um eventual aparecimento de novas varizes durante a gravidez, efectuar-se-á uma cirurgia com um carácter eventualmente mais definitivo após o parto. Poderá assim ser possível evitar uma nova cirurgia.
- Doença extensa, com varizes muito volumosas, seguramente com um risco de varicoflebite gravídica importante em alguém com planos para engravidar, mas não muito concretos nem a muito curto prazo. Aqui a doente não deve ser aconselhada a esperar. O problema apenas se iria agravar enquanto o tempo passasse, e acabaria por experimentar uma gravidez marcada pelos sintomas da doença venosa e pelo risco (quem sabe pela ocorrência) de uma tromboflebite.
Entre estes 2 casos extremos que acabei de expor para explicitação da decisão que temos que tomar em consulta há todo um gradiente das 2 variáveis em jogo. Doentes com varizes que não são nem muito avançadas nem propriamente desprezáveis. Pessoas com perspectivas de uma gravidez acerca da qual têm dificuldade em quantificar o grau de decisão e timing desejado. É também para isso que servem as consultas médicas: para proporcionar oportunidades a quem se senta à nossa frente de pensar acerca dos assuntos de uma forma que nunca lhe tinha ocorrido.
Um artigo do Sérgio Sampaio, especialista em cirurgia vascular na Allure Clinic, e licenciado e doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
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