Se no final de uma etapa gostamos de fazer o balanço dos acontecimentos e dedicar algum tempo a essa reflexão, também é verdade que gostamos de fazer previsões ou enumerar desejos de coisas para acontecer.
Quantas vezes nos aconteceu pensar que gostaríamos de perder peso, deixar de fumar, poupar mais, viajar mais, ser mais feliz, etc.?
Ao longo destes anos a acompanhar pessoas com uma perturbação do neurodesenvolvimento, principalmente com um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (PEA). Mas também alguns com comorbilidade de Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA), Dificuldade de Aprendizagem Específica (DAE), com ou sem comprometimento cognitivo (Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental) é frequente ouvir balanços e formulação de desejos repetidos de ano para ano.
Os balanços são uma média ponderada, com evidência de acontecimentos positivos e negativos. Os desejos normalmente revestem-se de vontade em melhorar a qualidade de vida e o bem estar emocional.
Apesar de compreensível é frustrante sentir que ao fim destes anos todos, evolução do conhecimento cientifico, progresso, etc., se continue a assistir ao atropelo de necessidades basilares.
Crianças, jovens e adultos com uma perturbação do neurodesenvolvimento querem aquilo que todos desejam
Surpreso?! Não esteja, porque apesar da condição diagnosticada são pessoas que procuram fazer a sua vida como qualquer um.
Por isso, as crianças neste grupo desejam poder continuar a ter melhores condições para fazerem as suas aprendizagens na escola. É verdade que ao longo destes anos têm sido muitas as melhorias, nomeadamente, aquelas ocorridas na transposição do Decreto-Lei 3/2008 para o 54/2018. Mas ainda continuam a ser muitas as situações de crianças que vêm as suas necessidades questionadas ou atropeladas por pessoas da comunidade educativa.
Os jovens, por sua vez, parecem sentir maiores dificuldades nas relações sociais e interpessoais. Não que as crianças não o sintam, mas a etapa da adolescência é própria para catapultar das relações sociais e o surgimento dos relacionamentos amorosos.
Os adultos neste grupo não deixam de sentir necessidades iguais às que sentiram quando foram crianças e jovens. Se ingressam no Ensino Superior sentem dificuldades muito semelhantes às sentidas ao longo dos doze anos de escolaridade obrigatória. Mas também sentem dificuldade em serem compreendidos nas relações sociais.
E adicionalmente nas questões relacionadas com a empregabilidade, saída de casa dos pais, autonomia, independência, relações amorosas, etc. Nos adultos com uma perturbação do neurodesenvolvimento a lista é cumulativa.
O balanço vai sendo cada vez mais positivo, é verdade. Mas os desejos para o próximo ano continuam a ser muito iguais
O número de diagnósticos tem crescido, seja nas idades mais precoces. O que é realmente uma notícia bastante importante pela possibilidade de intervenção num período fundamental do desenvolvimento. Mas também têm crescido na idade adulta. Ao ponto de haver quem se questione se não estaremos perante uma epidemia de diagnósticos de autismo, hiperatividade, dislexia, etc.!
Não há epidemia nenhuma. Aquilo que temos é uma maior capacidade de compreender as características dentro destas condições, melhores instrumentos de avaliação e uma revisão mais compreensiva das características de diagnóstico.
Para além disso, a difusão de informação, escrita nomeadamente por pessoas com algum destes diagnósticos, leva a uma maior aproximação da população que ainda não tem o seu diagnóstico mas que continua a procurar uma resposta. Há ainda uma maior identificação das pessoas com as descrições literárias e cientificas feitas pelos seus pares. Comparativamente à dificuldade sentida na leitura de artigos ou manuais de diagnóstico com um jargão de mais difícil compreensão e longe de uma certa realidade vivida.
As pessoas continuam a perguntar como é possível que apesar de todo este desenvolvimento e conhecimento em relação a estas condições, se continue a assistir a realidades pouco dignificantes da condição humana.
Para além dos aspetos mais científicos e que se prendem com o desenvolvimento de mais e melhores instrumentos de avaliação e diagnóstico, seja na área médica mas também psicológica, é fundamental continuar a melhorar a comunicação dentro das perturbações do neurodesenvolvimento.
Seja no combate às noticias falsas (fake news), que continuam a desviar muitas crianças, jovens e adultos de uma intervenção adequada. Mas também na forma de comunicar sobre estas condições para a Sociedade em geral e para as famílias e os próprios com estes diagnósticos. Para além de envolver cada vez mais os próprios com estes diagnósticos na construção de um diálogo mais compreensivo.
A comunidade cientifica já tem dado os primeiros passos neste sentido ao envolver pessoas com PEA ou PHDA nos estudos científicos e não apenas como participantes. Os congressos científicos internacionais que ocorreram no ano de 2019 são disso um exemplo a reter e a repetir. As famílias precisam de ajuda. Não a serem pais, pois isso eles já o sabem ser. Precisam de alguém que os acompanhe neste percurso e os oriente na melhor forma de estarem com os seus filhos.
São cada vez mais, principalmente jovens e adultos com uma perturbação do neurodesenvolvimento, que advogam da necessidade de serem eles próprios. E não pessoas com um determinado diagnóstico e que necessitam a todo o custo de mudar e adaptar. Precisamos de pensar que quando dizemos que eles não têm culpa do diagnóstico que têm. Não podemos logo a seguir dizer que necessitam de aprender a serem diferentes.
As grandes mudanças a acontecer parecem continuar a ser no Humanismo, nas relações, no respeito pela forma de cada um de nós ser. E na necessidade de desenvolvermos condições para continuarmos a viver em conjunto.
É essa a capacidade que tem levado à preservação e desenvolvimento da espécie humana desde o início dos tempos. Não apenas com alguns exemplares mas com toda a neurodiversidade possível de conter na vida humana. Era assim no inicio e por enquanto ainda vai continuar assim. Cabe a cada um de nós fazer a diferença.
Texto: Pedro Rodrigues, Psicólogo Clínico no PIN Progresso Infantil
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